3.11.15

Comida saudável

The Sound, “Total Recall” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=ZjAsQ4ObNdg&list=PLrsJddFaKtZtETFY-Ma45OVgRQTTgO1q7&index=13
Comer carne vermelha é perigoso. Contem agentes cancerígenos. Comer peixe mal faz. Os mares estão muito poluídos e os peixes andam carregados de mercúrio – e, se não é por isso, é porque comemos peixe de mais e a voragem da pesca ameaça extinguir espécies. Ingerir lacticínios também faz mal. Ao que consta por aí, o número de pessoas intolerantes à lactose aumenta todos os dias. Beber vinho faz bem, desde que seja o moderado consumo de um copo de vinho às refeições e o vinho seja tinto, que faz bem ao coração. Mas beber vinho em excesso mata. Se não mata, provoca doenças, às vezes irremediáveis. A doçaria, em geral, é um veneno ardiloso. Causa dependência e, se não for acompanhada de exercício físico, leva à obesidade.
O denominador comum a todos estes males de boca é o prazer que causam nos apreciadores. Se não formos tão hedonistas, a observação fica por uma trivialidade: aqueles mantimentos servem para alimentar o corpo. E um corpo sem alimento está condenado ao decesso. Só que dia sim, dia não, a comunidade de médicos e cientistas e investigadores não se cansa de publicar estudos de elevado teor científico expondo os malefícios de alimentos atrás de alimentos. Sempre com novas descobertas. Há miasmas que nascem porque somos penhores de prazeres gustativos sem nos precatarmos dos maus efeitos dos alimentos, que só chegam quando damos conta que já pisamos o longo prazo. Há novas descobertas que hipotecam descobertas anteriores. O que dantes fazia bem à saúde, sabe-se, entretanto, afinal era uma falácia – mas sempre com a possibilidade de a renovação da ciência reabilitar o que chegou a estar proscrito pelos totalitários investigadores destas coisas.
Pelo caminho, as almas sensíveis e informadas convivem com a apoplexia. Nunca estão certas de estarem a fazer a coisa certa quando metem comida e bebida à boca. Assustam-nos com doenças terríveis, sentenças de morte a prazo, com a morte prematura ou, mesmo que não seja prematura, a morte. E nós, porventura porque não damos valor à literatura que interessa, descontamos anos de vida só de lermos esta literatura de sino de igreja (na medida em que faz soar os alarmes todos os dias). Já que temos de morrer um dia destes, que seja sem o alçapão destes cientistas e médicos e investigadores que não se cansam de julgar que prestam um serviço público com tanto pânico espalhado pelas gentes.
Já que tudo, ou quase, é mau alimento que, de uma maneira ou de outra, nos há de marcar encontro com a morte, falta perguntar a esta gente iluminada se não seria melhor deixar já de comer e antecipar o funeral.

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