25.11.15

Do outro lado do espelho

The Horrors, “Mirror’s Image”, in https://www.youtube.com/watch?v=0EOPIi4Q3lM
Impressões digitais de que se perde o rasto. Sem utilidade, a perícia de um detetive armado até aos dentes, rastreando os vestígios deixados pelo chão fora. A páginas tantas, um espelho enorme interrompe os vestígios. Parece que o alvo da perseguição se dissolveu numa nuvem, deixou de existir naquele exato lugar.
Um mistério. Mas as pessoas perseverantes não transigem à primeira contrariedade. Insiste. O alvo da perseguição não se dissolveu, que os mistérios esotéricos esbarram nos pergaminhos racionais que não deixam acreditar em mistérios insondáveis. Não há insondáveis mistérios; só há mistérios e uma chave para os resolver. Só falta esquadrinhar o chão à procura da chave. Talvez – e esta é apenas uma hipótese de trabalho baseada no esteio do racionalismo – a pessoa que se procura ter-se-á eclipsado. O espelho enorme pode ser apenas um ardil. Os vestígios terminam mal se abeiram da bordadura do espelho, dando a entender que: i) uma entidade misteriosa, talvez alienígena, raptou a pessoa; ii) em insistindo que a hipótese anterior entra no domínio do esotérico, sobra a possibilidade da prestidigitação. A pessoa cujo paradeiro se procura terá poderes sobre-humanos e escondeu-se atrás do espelho, passando através dele.
Num mundo absurdo, afinal tudo acaba por ser plausível. Nem que venha com o selo da profunda contradição de termos – julga o narrador, em jeito de advertência à personagem principal do enredo: se os afamados pergaminhos racionais convocam o inteligível, como pode dar caução a uma hipótese (a primeira ou a segunda) que incensa impenetráveis mistérios? Para acabar com a história, e sem cuidar de lhe arranjar um epílogo consistente, dir-se-á que à personagem investida na episódica função de detetive faz falta desencaminhar-se por onde a incoerência arremata caminho. Alguém lhe sussurre aos ouvidos, mas com vozearia audível, que já pagou fatura elevada como preço da coerência que julga à prova de corrupção.
Daí em diante, achando-se do lado de lá do espelho, talvez seja fácil encontrar a pessoa cujo paradeiro lhe foi encomendado. Talvez se redescubra na pessoa em ausente paradeiro. E aprenda a gostar do que vê, ao pôr-se do lado contrário do espelho. Sem os embaraços da racional coerência.

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