16.2.16

Do rancor

FKA Twigs, “Pendulum”, in https://www.youtube.com/watch?v=O8yix8PZKlw
A filha pergunta ao pai o que é o rancor.
- Sabes o que quer dizer “ressentimento”?
- ... Também não.
- É quando alguém não consegue afastar as nuvens más que vêm de um tempo passado.
- É como se não voltasse a fazer sol depois de muitos dias de chuva?
- É isso. E mesmo que volte a fazer sol, à volta das pessoas com rancor existe uma sombra que não deixa entrar o sol.
- E essas pessoas gostam sempre do mau tempo?
- Se calhar não aprenderam a coabitar com o céu desimpedido. Aprenderam a conviver com nuvens que são algemas sobre a vontade.
- E essas algemas prendam as suas próprias mãos?
- Não. São usadas para prender as mãos de outros. E quando os outros não se afivelam por essas algemas, sobeja uma intolerância que termina em rancor.
- Como é possível alguém querer impor a sua vontade para fora de si?
- Há quem não saiba viver dentro dos seus limites.
- Vou voltar ao princípio: ainda não percebi ao certo o que é o rancor?
- É o sentimento dos que querem ver os outros à sua imagem e não acertam. Talvez porque os outros não são amestrados. Talvez porque se insubordinem contra a invasão da vontade.
- E o rancoroso não devia aceitar a vontade do outro, não devia perceber que não consegue estender o seu adro para aquela pessoa?
- A intolerância, que lhes é genética, considera um ultraje se o outro não quer receber a sua influência. O outro passa a ser perseguido. O que move esta perseguição é o rancor. A incapacidade para viver confinado aos seus limites é o esteio do ressentimento.
- Mas há quem queira tanto viver mais a vida dos outros do que a sua própria vida?
- Irás aprender isso com a medida do tempo.
- Se um dia destes tropeçar num rancoroso que queira deitar mau olhado, o que devo fazer?
- Deixá-lo na irrelevância. Sem resposta. Não deves reagir às provocações. Se não cais na armadilha do ressentido – estás a dar importância de que o ressentido, pelo mal que te inflige, é desmerecedor.

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