23.3.16

Os moinhos do sol

Antony and the Johnsons, “Hope There’s Someone”, in https://www.youtube.com/watch?v=Luirzce0UF8
As planícies, ligeiramente onduladas, tinham moinhos nas cumeadas. Os moinhos brancos ostentavam fartas velas com panos de linho amarelecidos. Naquele lugar – dizia-se – era raro chover. Muita gente que o demandara só conhecia o dia soalheiro como testemunha. Não fazia vento. O silêncio era profundo. Nem sequer o sibilar dos pássaros, que se faziam notar em bandos, cortando os céus com o voar desordenado, antes de se chegar ao lugar dos moinhos do sol.
À medida que o lugar se entranhava, percebia-se o nome que os antigos lhe deram. Era uma homenagem ao microclima. E um sinal de respeito pelo medo que o lugar causava. Pois contavam-se histórias de gente destemida que se aventurara nas planícies e desaparecera. A aridez não deixava que os raros arbustos ganhassem cor. Havia alguns catos. Muita pedra solta. As abas dos moinhos que se moviam com a lentidão própria da aridez do lugar. Ficava claro porque tinham os antigos construído uma linha de moinhos a coroar as suaves encumeadas. As abas fartas dos moinhos emprestavam sombra a quem ali fosse. Eram como um cantil de água de alguém errando no meio de um deserto. Mas não havia indicações que precatassem os visitantes à eira dos moinhos do sol. O lugar parecia encerrado em clandestinidade. E ninguém sabia quem tinha levantado os moinhos.
Nos lugarejos em redor, as pessoas não gostavam de falar sobre as planícies pontuadas pelos moinhos de sol. Diziam, à boca pequena, ser um lugar enfeitiçado. Diziam que os moinhos escondiam, no seu hermético interior, tesouros ricos – e que muitos pereceram na corda da cobiça. Uns tentaram esgravatar com as mãos a terra que amparava as fundações dos moinhos. Em vão. Encontravam pedra rija, imperscrutável. Outros ensaiaram ousadas manobras de aproximação às janelas baças dos moinhos, não contando com o musgo agarrado às paredes que impedia a proeza. E outros, de congeminarem ingénuas estratégias de assalto aos moinhos enquanto puxavam pela imaginação debaixo do sol, não deram conta de como o sol os consumia.
Ao longe, a paisagem era bucólica. Digna de um filme de Wim Wenders, quando a câmara se arrasta languidamente sobre o chão, fechando o plano sobre o horizonte. Uma tela que pedia um por-de-sol a condizer. Pois, nessa altura, o sol não estava a pino e não feria de morte. Ao entardecer, por ato de magia, as velas dos moinhos recolhiam-se sem que ninguém as manobrasse. Era outro mistério que amedrontava os locais, tementes que uma entidade com dons sobrenaturais inquietasse o quotidiano.
Por isso, estavam de atalaia aos moinhos do sol. Com uma distância de segurança, não fosse o diabo coçar o olho e deitar atenção nas terreolas que bordejavam aquele lugar embruxado.

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