30.11.16

Calças rotas

World Domination Enterprises, “Asbestos Lead Asbestos”, in https://www.youtube.com/watch?v=D1rrGuya3M8
O tio dandy ensinou-lhe a andar apessoado. Havia rituais a cumprir. Roupa que nunca combinava (fato às riscas com camisas aos quadrados). Cores que não deviam quadrar na indumentária (o verde e o azul, legitimando o preconceito consabido). As calças, impecavelmente engomadas. O mesmo para as camisas. Um homem decente não pode dar parte de fraco naquilo que é a sua linhagem. Num certo sentido, o tio dandy podia ser um guru da moda – não fosse a moda contemporânea mover-se por caminhos que eram do desagrado do tio dandy.
O sobrinho amealhou os ensinamentos. Nunca o viram com calças de ganga, que a ganga era a fazenda fraca. Estudante, sempre envergou casacos de tweed. No colégio não fez diferença: os outros meninos, confirmando a educação britânica, iam para a escola de blazer. Quando entrou para a universidade, o sobrinho aspirante a dandy começou a dar nas vistas. O ambiente era informal. Dominado pelo pensamento libertário que os corredores da universidade guardaram dos tempos do maio de 68. Ele era motivo de escárnio. Foi remetido ao isolamento. Nunca se importou com o estatuto de exílio interno nem com as anedotas que sobre ele se contavam. Não fora para a universidade para socializar (disse-o uma vez numa altercação com alunos veteranos, o que lhe custou uns encostos dissuasores e mais algumas palavras de troça).
Já feito gente e senhor do seu destino, começou a ler uns livros heterodoxos. A ouvir música fora do contexto. A dar-se com gente que faria corar de vergonha as numerosas tias que eram visita da casa para o chá das cinco. Gente que desdenhava dos que, na universidade, se auto proclamavam vanguardistas. O sobrinho dandy ultrapassou os antigos colegas da universidade na audácia e na irreverência.
Um dia, chegou a casa a más horas. Parecia embriagado. A mãe esperava-o diligentemente e com o telefone na mão, ansiosa, à espera de más notícias a qualquer momento; o seu menino nunca fora de noitadas fora de casa e não era agora, já trintão, que se ia abraçar a maus hábitos. O rapaz chegou intacto, mas ébrio. Trazia umas calças rotas. Logo soaram os alarmes. A mãe perguntou se tinha caído, se tinha sido uma peleja, o que explicava as calças rotas. E o sobrinho dandy respondeu, negligente e cheio de sono, com a língua entaramelada no álcool a mais, que eram as calças com que tinha saído de casa.
O tio dandy, fosse vivo por estes dias, orgulhar-se-ia da ousadia meteórica do sobrinho. Ser dandy era um ato de liberdade irreprimível. Essa fora a lição maior que aprendera do tio dandy.

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