29.12.16

Reta final

Hot Chip, “Huarache Lights”, in https://www.youtube.com/watch?v=9S0ONyRctyE
Um duende, aparentemente insignificante, mete medo ao gigante. Parece contrariar as leis da física, a chamada “ordem natural das coisas”. Como pode uma criatura liliputiana amedrontar o poderoso hércules?
Pode o primeiro exibir um viço incontestável, mostrando o sangue na guelra contra os imponderáveis sortidos, convivendo com a loucura própria dos destemidos. O segundo, quase adormecido, atado a uma decadência irremediável, exangue de forças, apenas contemplativo dos tempos em que fermentou toda a sua glória. O duende ostenta uma energia inquebrantável. Sabe que os tempos vindouros serão o seu altar proeminente. O gigante sente no dorso o murmúrio dos anjos finais. Sabe que já não tem armas para terçar contra o fado impiedoso que o espera. Capitula, aos poucos.
Entre os dois, uma transição. O duende à espera do tempo certo para se entronizar senhor de um império até agora tomado pelo adamastor. Sabe que não o pode fazer antes do tempo. Não é provável uma reação intempestiva do gigante, pretendendo defender a coutada que foi sua – que ainda é sua; o gigante já não conserva forças necessárias para esse fim. É uma questão de respeito. Uma sucessão aprazada no tempo, à espera que o tempo seja certo para se soerguer no firmamento. O duende, apesar de jovem e ainda inconsequente, tem a lucidez para intuir que ninguém lhe perdoaria se ocupasse o trono antes do tempo. Antes que o gigante definhe até o fio da respiração se evaporar na exiguidade de uma janela já encerrada.
O duende espera pela sua vez. Não tem que se impacientar. Não tem de deitar tudo a perder. Deve-se entregar ao imperativo tirocínio que o prepara para as funções que o esperam. Enquanto espera que o gigante senescente expie de uma vez por todas, no seu tempo que é de reta final. Na casa da partida, pacientemente à espera da altura certa para se lançar na pista prometida, o duende que preste homenagem final ao gigante prostrado. Dele foi o tempo de ser imperador. Dele virão os rudimentos que o duende não pode desprezar. A passagem de testemunho não é uma rutura.

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