1.2.17

A cartografia dos baldios


Pond, “30.000 Megatons”, in https://www.youtube.com/watch?v=3EQPsCbmgkk    
Sabia das terras improfícuas, algures em mapa longínquo. Dizia-se que eram de ninguém. Baldios que precisavam de presença.
A exiguidade do lugar nascente funcionava como uma espada afiada sobre o pescoço. Parecia que o oxigénio era rarefeito. Parecia que as pessoas se atropelavam umas às outras e todas eram conhecidas de todas e que todas exerciam uma esclavagista vigilância sobre as demais. Queria apoderar-se de um pedaço de terra que não fosse de ninguém. Sem fazer tábua-rasa das leis, nem menosprezar os registos que sobre as terras dispunham. Para o efeito, sabia que teria de ser nómada. Talvez nómada de si mesmo. Desprender-se dos freios que eram marca identitária. Desapossar-se dos haveres, por não os poder acautelar desde as longínquas paragens que se preparava para indagar.
Teria de desembrulhar um mapa por fazer, meter-lhe os limites e as coordenadas que seriam sua embocadura. No fundo, fazer um pouco como os ancestrais conquistadores – com a diferença que agora tudo era conhecido e não havia exaustão de meios que transgredissem o conhecimento da paisagem. Não interessava que o lugar fosse inóspito, ou exposto a um clima intransigente. Os horizontes emancipam-se quando o olhar se predispõe a sair das suas baias. É um processo em que nunca se fica a perder; na pior das hipóteses, os ganhos podem ser ausentes.
Os mais sedentários, puxando lustro aos compêndios conservadores, advertiam que partia à aventura, que a mesma se podia saldar por uma mão cheia de nada e que, nessa medida, perdia o que já tinha como adquirido. Ripostou: não dava nada como adquirido e o que eles assim consideravam era um paredão estéril onde não havia vivalma. Precisava dos baldios, algures. Precisava de meter as mãos na terra por arrotear. Precisava de saber dos deslimites, para não vaguear na indiferença de si mesmo.
Estava decidido. Amanhã partiria, sem haveres a não ser os imprescindíveis, para tomar posse de uns baldios por mapear. Não sabia quando chegaria. Não sabia aonde chegaria. Sabia que era preciso arrematar a cartografia dos baldios. Nem que fosse, apenas, para legar um mapa que fosse ferramenta para os vindouros.

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