2.2.17

Reposição


Nitin Sawhney, “Tides”, in https://www.youtube.com/watch?v=ShvMm00B1YY    
Páginas furtivas que não ecoam no espelho do tempo. São fragmentos que intuem o apanhar das crisálidas que tiveram deposição outrora. E, porém, há pessoas que revalidam o tempo gasto, como se nisso viessem mergulhar na repristinação do tempo – ou, pelo menos, nisso acreditassem. Não adianta lutar contra as muralhas inamovíveis.
A reposição assim formulada é uma impostura. A trela imposta ao tempo vigente, que o transforma num desperdício criminoso. Muitos são os portadores da conservação das coisas como elas são (ou como as conhecem) que postulam uma revalidação quando concluem que ela é necessária para manter a ordem das coisas. Dão coices no tempo, como se não adiantasse impedir que as coisas tivessem o seu curso quando acontece ser o tempo de mudarem. Porventura, os achegados ao conservadorismo do tempo têm a sua razão, ou pelo menos os seus propósitos. A difícil entorse, que não quadra com as novas pinceladas que se ensaiam, é querer resgatar uma certa medida do tempo nem que seja à custa de um tempo forjado e do seu mimetismo: a repristinação do que vier a preceito, para atingir tal desiderato. É como montar uma montra de um estabelecimento comercial com produtos datados e teimar junto da clientela que existe mercado. É como teimar que o tempo tem marcha-atrás.
Os desaproveitadores do futuro têm medo. Receiam perder um privilégio, ou um estatuto, que julgam fundeado na medida do tempo em que insistem. Ou é apenas o receio de perderem uma zona de conforto em que medram, talvez sem perceberem que desaguam numa rua sem saída. Apostam na perenização do tempo, numa luta desigual porque não podem nada contra a conspiração sem rosto que mede a volatilidade do tempo presente.
As reposições só adiantam no tabuleiro das coisas meãs, onde se simulam os atores em seus meneios soezes. Oxalá não tivessem medo, os arautos da repristinação, de se meterem por dentro do tempo, de embarcarem na roda dentada onde o tempo sorri a sua voragem. Pois a imagem enquistada de gente estéril, desapossada do critério do tempo, é de uma terrível aridez.

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