28.6.17

O candidato


Ty Segall, “Sleeper” (live on KCWR), in https://www.youtube.com/watch?v=KFUb6tNU_Xc    
Nas antepenúltimas eleições, o candidato figurava no lugar trinta e seis na lista para a junta de freguesia. Fez o seu caminho. Participou em todos os jantares do partido. Colou cartazes. Desmultiplicou-se em comentários em fóruns e em redes sociais, sempre a favor da sua cor partidária em acríticas intervenções onde fazia gala do pior seguidismo (a que ele, ufano, chama “lealdade”). Marcou presença em cerimónias públicas, fazendo questão em se colocar em pose estratégica atrás das câmaras da televisão quando um ministro ia de visita à terra, como se fizesse parte da comitiva oficial.
Nas penúltimas eleições foi premiado com lugar elegível para a junta de freguesia. Nunca mais deixou de usar fato e gravata. Meteu um garfo pela goela abaixo e fez da circunspeção pose diária, como se fosse o mais alto representante do Estado, a dar crédito à pose solene que insistia em empunhar. Foi um trabalhador incansável. Continuou omnipresente em tudo o que fosse pública cerimónia – na freguesia e, por se considerar representante local, nas cerimónias municipais. Continuava a fazer o seu caminho. Era um frenético avençado das suas inesgotáveis ambições.
Em vésperas das eleições que se seguem, foi premiado com uma promoção na hierarquia das (possíveis) sinecuras. Faz parte da lista de candidatos do partido à câmara municipal. Figura no lugar número onze. O mais certo, é não ser eleito: nas eleições anteriores, o partido elegeu cinco vereadores e, a correrem bem as contas para o partido (o presidente da câmara é popular), é possível arrebatarem mais um vereador. À boca pequena, diz-se que três dos candidatos em lugar elegível só estão na lista para fazerem número – ou, que é o mesmo, para darem crédito à lista com os seus nomes carregados de reconhecimento público. Se esses três candidatos não chegarem a ocupar os lugares na vereação, sobem os três seguintes – os números sete, oito e nove.
O candidato continua longe do estrelato da vereação. Dois lugares abaixo. E, todavia, já faz campanha, ativamente, em antevéspera das vésperas do início da campanha eleitoral. Deixou de aparecer na junta de freguesia. Faz quilómetros atrás de quilómetros pelas estradas do concelho. Fala com as pessoas, dos mais idosos às criancinhas que querem é estar na algazarra no recreio. Vai às catacumbas da memória, resgatando dos tempos em que era vendedor ambulante a verve própria de quem foi treinado para vender gato por lebre. Depois do presidente do município, é o rosto que mais aparece, a personagem mais frenética. Faz garbo do estatuto: ao mesmo tempo que se desfaz em simpatias gelatinosas, exige tratamento de excelência (salta filas no supermercado, nos cafés, nos restaurantes; manda as contas para os paços do concelho, vivendo à grande; faz-se convidado em cerimónias nas escolas, nos bombeiros, nos clubes do município, em eventos culturais – de que depressa se despede, com o pretexto de outras inaugurações a esconder a falta de sensibilidade para a cultura).
Os poucos que não suportam a sua prosápia comentam, em tom jocoso, que o candidato ainda não terá dado conta que só é o décimo-primeiro da lista. Talvez esteja a preparar caminho para as eleições daqui a quatro anos. À quarta será de vez e um lugar na vereação virá ao seu bornal. Pelo sim, pelo não, já correspondeu ao pedido do edil e satisfaz as necessidades da primeira dama (à falta de competência do edil para o assunto).

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