16.2.18

Manual para derrotar embaraços


Dead Can Dance, “Anastasis”, in https://www.youtube.com/watch?v=aiDNf8trWn8    
Que não te seja tolhido o passo pelos embaraços em que ele tropeçar. A capitulação não é própria dos pacientes. Que não haja equívocos: não se trata de teimosia; nem tão pouco de envergar os galões de herói (que da heroicidade se considera coisa pueril e falsária).
Um exemplo: há empreitada que se assemelha intrépida quando se enceta. No primeiro contacto, não é a sua dimensão que intimida. A vontade em ebulição arroteia os passos necessários para arrematar a empreitada. Algum tempo depois, o peso das contrariedades arqueia-se sobre o dorso que começa a dar os primeiros sinais de desmotivação. As primeiras hesitações afloram na pele; soerguem-se as primeiras interrogações que, em repetitiva espiral, abrem uma funda cova onde se enterra a máscara (sabe-se agora) da tenacidade. O esquecimento cuida do resto: com o beneplácito do tempo poltrão, a empreitada encomenda-se ao arquivamento no espaço onde, convenientemente, a desmemória encontra seu húmus. E como o esquecimento tem muitas paternidades, ninguém evoca o acerto de contas a que prometeu a empreitada e dela se olvidou.
Eis um manual para contrariar os embaraços que queiram locupletar um desígnio apalavrado. Primeiro, não deixar de insistir. Não caducar a vontade aos primeiros contratempos. Os contratempos exigem cuidada depuração: por que ocorreram? Que receita se pode prescrever para os ultrapassar? Sempre deste modo para todos os contratempos, um atrás do outro, mesmo que, a certa altura, adeje a impressão de que a meta está mais longe mercê das forças usadas (e a caminho de estarem exangues) para derrotar os contratempos que foram sendo alinhavados.
Segundo: parar para pensar. Metodicamente. É melhor predicamento (do que desistir). É preciso parar e amadurecer o pensamento, caso se inventariem tantas contrariedades que a empreitada se afigura uma impossibilidade prestes a ser assim formalizada. Às vezes, é preciso repensar tudo. Repensar a própria empreitada, que pode deixar de fazer sentido se o palco em que se terçam as forças contrárias (as favoráveis ao desejo e as que se jogam contra ele) revela uma nova correlação de forças – ou quando a frieza do raciocínio permita descobrir a inutilidade da empreitada após os recentes acontecimentos, pelo menos a inutilidade na sua configuração original. Às vezes, é preciso repensar o método para chegar ao resultado esperado. Pode ser preciso mudar a estratégia a eito, ou apenas algumas das suas facetas. A desorientação consecutiva aos primeiros sinais de desencorajamento não é boa conselheira da revisão de tudo o que for preciso rever.
Terceiro: não se pode prescindir da paciência. Nem pode o raciocínio embotar na presença dos contratempos sucessivos. As provações que desfilam em palco são um desafio à destreza do pensamento. Na guerra surda e sem armas que se inicia, vencerá o promitente da empreitada se souber manter o raciocínio frio, se souber ser paciente. Ou nem vale a pena o consumo de forças para esboçar, em estirador condenado ao malogro, as empreitadas depois fracassadas (porque esquecidas).

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