29.5.18

Da perplexidade invasiva


Iguana Garcia, “60KF”, in https://www.youtube.com/watch?v=SkuUjwZpbgg
Um exemplo: a companhia. Será companhia como sinónimo de empresa, ou a companhia das pessoas que se têm por companhia? A companhia cultiva-se; seja quando se é titular de uma empresa, seja a das pessoas que entram no restrito rol dos que fazem companhia. Se a companhia fracassar, a empresa vai à falência. Dissolvida a companhia, ela perde sua função. É uma orfandade. Se a companhia se perder e a sua presença for substituída pela ausência, também é uma orfandade. Podem ambas as orfandades ser efémeras, mas trazem consigo um custo: a angústia, a melancolia invasora, a sensação de perda, o encontro com o desencontro de si mesmo. 
De que serve o desamparo de uma companhia? No caso da empresa, ela perde-se no labirinto da concorrência. Se não suporta os desafios das mais capazes, a companhia perde o chão que seria seu amparo. Perde-se o sustento, com o malogro da companhia. Os alicerces são atirados à equação da subsistência. Há casos de miséria consequentes ao definhar de uma companhia. Há responsabilidades que vêm por acréscimo. Os contratos não honrados. O desemprego para que são atirados os que laboravam na companhia. Os débitos que ficaram por saldar. Possivelmente, um mau nome selado na praça do comércio. Uma certa dose de vergonha a abater-se sobre as pálpebras humilhadas. A carência de sustento para os mais próximos.
Se a companhia tiver por referência pessoas que se habilitam como tal, o desamparo da companhia é, por vezes, o sentir excruciante de uma dor. Admita-se que cada um de nós é o produto da sua identidade, da sua personalidade intrínseca, de todas as influências em que nos embebemos; mas também, das influências que recebemos dos outros que temos por companhia. Nem os mais acérrimos verbetes de narcisismo escapam à exposição ao ambiente exterior. Até porque um narcisista precisa de um outro – de muitos outros – para cimentar a afirmação do seu eu centrípeto. O que acontece quando uma companhia é dada como perdida é mais doloroso para o narcisista. Por mais que invoque, a seu favor, a imensa constelação de outros que alimentam o seu ego, a companhia perdida aumenta de valor depois de ter sido dissolvida do mapa das companhias.
Só os ascetas se refugiam do marear das ausentes companhias. O isolamento metódico é a caução. Sozinhos, não precisam de companhia. Dispensam as companhias. Do mais fundo das masmorras em que vivem aprisionados, trocam a melancolia (que não reconhecem) pela ausência das excruciantes dores se fossem assaltados pela perda da companhia. Se perguntarem a um sociopata, ele confirma-o: “os outros são o inferno”, dirá, sem contudo se aperceber como é tangente a sua existência com a do narcisista.

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