22.6.18

Estibordo (ou bombordo, depende do posto de observação)


Idles, “Colossus”, in https://www.youtube.com/watch?v=VODKZxsRa_E
Por que teimamos na razão, quando a reivindicação da razão é das credenciais mais desrazoáveis que nos podem tocar? Por que temos a pretensão de estar de um lado certo, a nós convocando uma razão qualquer, só para sentir as veias aliviadas da combustão própria de quem se achou órfão da razão – ou só para alcançar a vaidade que compete a quem reclama o altar da razão mercê do esbofetear da derrota no rosto do outro?
Cem por cento de probabilidades de um acontecimento fortuito negar uma ideia centrípeta: consome-se a vã esmeralda da razão, ou é preciso afinar os ponteiros da bússola, adulterando-os para congeminar uma distorção dos pressupostos à medida da razão que queremos que nos seja assistida. Tudo depende do posto de observação. Se duas pessoas estiverem em diferentes lugares e os seus olhares tiverem diferentes paisagens como ponto de mira, são diferentes as coisas que veem. Por que hão teimar num diálogo de surdos se falam de coisas diferentes e através de lentes que não são compatíveis? Por que hão de insistir na sua convicção, como se ela fosse superior à do outro, se os postos de observação diferem em tudo? Quando o diálogo é de surdos, e os que assim contracenam persistem no autismo da razão, manter o diálogo é uma extravagância que não paga dividendos.
Oxalá os que se empenham no monopólio da razão aceitassem mudar-se de estibordo para bombordo – e vice-versa. Só para medirem a tenência do quadrante a que não estão habituados. Não se lhes pede que mudem de posição; só que mudem de lugar e concebam, por um instante, a verificação das linhas por que se cosem as bainhas a que não estão habituados. Aceitando que o lugar que é diferente do seu servisse para dissolver imperativos categóricos, corredores estreitos por onde se move o pensamento e ideias com a contundência do saber à prova de contestação. Nem que fosse para saberem o lugar onde estão. 
Estar a estibordo é mais do que uma convicção. É um arregimentar da alma, que carece de método a preceito; não é uma escolha ao acaso, um dado aperaltado, fortuitamente, pela vontade que se soergue. Se devemos saber explicar as nossas escolhas (quando elas não se afivelam no reduto do espontâneo), não devemos aceitar o estibordo sem conhecer o bombordo – ou então, devemos admitir, como criterioso radar, que estibordo e bombordo podem ser amalgamados, servidos como o avesso do convencionado.

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