14.8.18

Lavandaria (short stories #8)

Moderat, “Reminder”, in https://www.youtube.com/watch?v=cJwsNUoazUg
      O fuso horário desacertado junta nuvens baças ao entendimento. As ideias medram, todavia confusas. De resto, até as mais regulares palavras parecem ter perdido sentido. Uma estocada diferente: desafiam-se as coisas em seu vestuário aparente. Desafiam-se. Mas como? O sortilégio que se emenda é uma provocação aos cabos estirados na varanda onde se perfila a maioria. Talvez a lavandaria seja o remédio. Submeter tudo a uma purificadora lavagem, a água refrigeradora atuando como uma bênção que desvenda a caução esperada. E depois, o que se espera é que as coisas comecem a fazer sentido. Que as peças dispersas sejam dispostas no chão translúcido e se juntem umas às outras, com o vagar necessário, começando a formar um conjunto coerente. Não se esperam milagres. (Os milagres não acontecem.) A água que atuou sobre as coisas a ela submetidas é um resíduo sem serventia, provavelmente encardida. Sinal suficiente da sua utilidade. Através da lavandaria, a podridão que embaciava as coisas passou para a água que as devolveu ao estado de inteligibilidade. Não são águas pútridas. Nem se admita que os resíduos que traz em seu caudal contaminam os cursos de água onde desaguem. São águas generosas. O selo de uma defenestração capaz de devolver um sentido mínimo ao que estava no limbo da névoa plúmbea. A lavandaria é cortejada pelos íntegros, pelos que não se acomodam no umbral do entendimento acrítico, pelos que desfilam as interrogações constantes contra a apatia do adquirido. Mesmo os dados consabidos não estão fora da cogitação. O fuso horário desacertado pode não corresponder à imagem de um relógio; pode ser apenas a desorientação que consome, desde o interior, as suas vítimas. A lavandaria remedeia os contratempos que se opõem ao entendimento. Não interessa saber a origem do manancial que serve as águas purificadoras. É melhor confiar no sortilégio.   

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