26.9.18

Os censores da arte são os seus melhores promotores (e nem dão conta)


Marilyn Manson, “Tainted Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=XkKulSH2nNc
(Mote: a polémica sobre a exposição de Robert Mapplethorpe, em Serralves)
Fotografias: uma vagina escancarada, os dedos sem rosto provocadoramente a ajudar à função, descaindo para o clitóris; muitos pénis, flácidos e eretos, numa coreografia de órgãos ostracizados; um homem que urina sobre outro; um pénis com um homem envergando uma máscara sadomasoquista como pano de fundo; um punho totalmente encerrado nas entranhas de um homem; um grande plano com duas línguas entrelaçadas uma na outra. 
E uma polémica vendida no país dos brandos costumes e do puritanismo incensado num passado mal resolvido, com o beneplácito da santa madre igreja e de seus acólitos, envergando sotainas ou nelas disfarçando seus hábitos mundanos. E a tão zelosamente exercida censura, que as boas consciências não podem ser sobressaltadas por imagens obscenas, pornográficas, inquietantes, algumas delas talvez apelando a fantasias inconfessáveis que, por o serem, são escondidas em armários afinal mal fechados de onde gravita a censura. E os censores, ativamente educadores: imagens destas são um ultraje aos bons costumes, deles fazendo sua bitola, apesar de apenas eles (os censores) tomarem as imagens como atentando ao seu individual pudor.
Pecam por excesso, estes censores: se os achaques pessoais fossem resolvidos com a decisão de não frequentarem a exposição e se continuassem em silêncio, não perpassava, da sua atividade censória, o duplo opróbrio: por um lado, afogueados por imagens tão “perturbantes”, nem dão conta da excessiva exigência de extravasarem para os demais os seus individuais estalões morais, que são seus, apenas seus, e não podem ser impostos aos demais; por outro lado, tão zeladores se constituem dos bons costumes que, no afã de esconderem a imoralidade do olhar alheio, acabam por prestar um inestimável favor à divulgação das obras de arte que, porventura, nem longas campanhas publicitárias, pagas a peso de outro, teriam o condão de alcançar.
É esse deleite que os censores intemporais não me sonegam. Por mais que protestem contra a “indignidade” da arte de que não gostam, enovelam-se numa polémica tamanha que acabam por ser os patrocinadores maiores da arte que desprezam. É essa a ironia. O viveiro das muito conservadoras almas que querem esconder dos olhares sãos as obras tingidas pelo fervor do satanás nem percebem que é a sua ativa militância que as entroniza como obras de arte. Foram educados por canhestros pastores que ignoram a faceta provocadora da arte. Transigem no jogo da provocação, caindo no logro e invalidando a sua causa com as tonitruantes vozes de protesto que se terçam contra a arte. Não são só eles os (no seu caso, indiretos) curadores destas obras de arte, que elas contêm uma genuína arte em si; com o seu agravo, limitam-se os arcanos moralistas a amplificar a arte que tanto queriam esconder (se o mundo fosse um ideal lugar onde só eles mandassem). 

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