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Anda por aí um vídeo onde ensaiamos – ou alguns que se julgam porta-vozes da portugalidade inteira – uma reprimenda aos finlandeses que vacilam na hora de adiantar o seu quinhão da ajuda a que nos pusemos a jeito. Eu rejubilo com o êxtase pátrio. Que algazarra, ó grandeza pátria! É nestas alturas, ao arremessar uma lição de moralidade de pacotilha aos outros que se julgam moralmente superiores a nós, que desata o orgulho pela portugalidade que vem desde tempos ancestrais.
Anteontem fui a uma escola secundária. Pediram-me para falar da Europa, já que era o dia oficial dela. No fim poucos jovens quiseram fazer perguntas, talvez inibidos, talvez desinteressados pelo assunto. O primeiro a soltar a língua lá trouxe ao auditório o famoso vídeo que esfregámos na cara dos apagados finlandeses. Desafiou-me a explicar que Europa é esta quando o que contam são (ao que parece) as tricas em que se brinca aos “paísezinhos”. Tentei explicar que se trata de manifestações primárias do pior que ainda enxameia a Europa: o nacionalismo obtuso, bacoco e arcaico. Mal andamos quando nos contagiamos pelas excitações estéreis deste nacionalismo datado.
E – mal que pergunte aos excitados com a coisa – somos assim tão grandiosos que as façanhas se condensam em seis minutos e quarenta e quatro segundos de vídeo? E um país a sério, em quantas dezenas de minutos encamisava as proezas? Este corrupio nacionalista, com o “tau-tau” moralista para os néscios finlandeses não andarem por aí a vituperar o nosso “bom nome”, é risível. Como se a nação fosse um corpo onde um povo inteiro arregaça as mangas, o mastodonte erguendo-se para limpar o rosto conspurcado por uns ignóbeis que até desconhecem a sua própria história (alusão ao puxão de orelhas aos hunos por ignorarem que já foram ajudados, e muito, por esta pobretana mas honrada gente quando estiveram com as calças na mão no início do século XX).
Já que os autores, no suposto papel de porta-vozes de uma portugalidade ofendida, tiveram o topete de ensinar história alheia aos finlandeses (que interesse terá o finlandês médio pela enviesada história de Portugal?), convinha que não torcessem os factos. A certa altura, insinuam que sacaneámos os espanhóis quando assinámos o Tratado de Tordesilhas. Mandam dizer os autores do vídeo que “ficámos com a melhor parte” e de seguida ostentam uma fotografia do Brasil.
A bem dizer, isto é toda uma idiossincrasia. Que é como quem diz: escondemos dos espanhóis a existência do Brasil, essa pérola incalculável. Deixámo-los com as sobras. Isto reproduz um padrão de comportamento tão habitual por aí: somos uns grandessíssimos chicos-espertos. Os finlandeses não deviam pôr os olhos na nossa experiência? Só ficavam a ganhar. Se forem chicos-espertos, como tanto nos gabamos de o ser, o mais razoável é fecharem os cordões à bolsa.
Entretanto, dizem-me que da Finlândia alguém respondeu com sentido de humor. Ao menos isso, que (consta) o humor não é atributo abundante naquelas terras maceradas pelo gelo. Esses finlandeses não acusaram o toque e selaram a sua indiferença. Podíamos aprender com eles. De que adianta este campeonato de medalhas nacionais, como se fôssemos machos alfa da tribo a inspeccionar reciprocamente os fálicos adereços só para descobrirmos quem os tem maiores?
Não consigo deixar de me sentir, de certa forma, assustada com estes acontecimentos (associados às enaltecidas proezas dos "homens da luta"). É aviltante o júbilo populista que emerge das manifestações ocas de chico-espertismos, com que Portugal se vem deixando catalogar nos últimos tempos.
ResponderEliminarPergunto-me se, daqui a uns anos, não nos reveremos em misérias cubanas, agarrados a pragmatismos saloios de "pobres mas felizes"...
ou como a aldeia de Axtérix, orgulhosamente isolada na cauda da Europa, que a nós ninguém cala, nem corta os "tomates"...
Já sei que vão revirar os olhos que lerem isto, mas acho que o futebol nacional tem muita culpa neste movimento cultural!
O "espírito de claque", com a ausência de racionalidade, empurra-nos para este primarismo que não é solução para nada.
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