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Pássaros, sábios pássaros
sibilam palavras encorajadoras ao ouvido. Rompem marasmos interiores. A brisa
matinal tinge os sentidos com uma flamância singular. Os olham demoram-se no
firmamento, como se nele demandassem o nutriente loquaz que virasse as páginas
já encardidas.
As palavras rumorejadas eram ao
início ininteligíveis. Um chilrear que ciciava sem decantar um sentido. A certa
altura, no rumorejo geral, uma palavra clara subiu à tona: “partida”. O corpo
cansado dos dias iguais sorriu ao ecoar da palavra, nas suas repetida vezes, na
embocadura do ouvido. Era a seiva transportada pelo vento noturno, trazido
algures do norte, um esteio de mutação. Mas os motivos não bastavam para
alinhavar o mapa das deambulações que beijavam a errância. Era preciso mais. Um
abalo telúrico vindo do mais fundo do ser, uma cortina enfim destapada e a
janela entreaberta a revelar a claridade de um dia que se fez novo.
Faltava o ato mais corajoso, o
ato mais difícil: a partida. Mover as rochas que se tinham petrificado, os
olhos tisnados pela habituação, ou apenas treinados pela capitulação ajoelhada
diante do pedestal dos hábitos cristalizados. Era preciso um outro abalo
telúrico; talvez não chegasse – agora o chamamento de tão audaz desafio
convocava uma erupção vulcânica, indomável, saltando por cima de todos os
obstáculos desfeitos em cinzas com a lava cavalgando.
O vento noturno demorou-se em
seus volteios, entrou fundo na carne da manhã. Só sossegou quando à tarde viu
nascer o frémito da partida. As malas interiores todas arrumadas, o sobressalto
de um porvir desconhecido por desembainhar. A espada dourada, empunhada com o
orgulho do tempo refeito, ungia o faminto tempo que esperava testemunho em
forma de voz. A voz, ao início trémula, cresceu nos contrafortes da afoiteza;
ofereceu-se, peito aberto, aos ventos soprados dos quadrantes que fossem. A voz
sabia que tinha um coro a domá-la: os sábios pássaros que evocavam as memórias
que não queria retemperar.
No dia da partida, nem lágrimas,
nem saudades, nem a mais leve expressão de arrependimento. Só contava a
partida. Para algures, ou nenhures, não interessava. Apenas a partida.
Uma partida à hora certa, acertada com honras de querer somado
ResponderEliminarO pior é quando a partida não encontra as agulhas do (seu) relógio.
ResponderEliminarO relógio acerta quando estamos prontos, inteiros, sem deixar nada para trás. Lá está, uma questão de tempo!
ResponderEliminarSanar feridas, juntar os pedaços imprudentemente dispersos, desfazer laços, deixar a bagagem esquecida no quarto por não mais ser necessária... não são tarefas para mãos leves com tempo contado no bolso.