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Discutia-se a libido da crise. Diz-se
que a gente anda deprimida, falha de esperanças quando esbarra nos oitavos de
um governo que percute nos corpos todos uma crise que parece ainda ir nos
alvores. Argumentam uns peritos: as pessoas andam arredias da vontade sexual. E
tratam de elaborar a teoria: o empobrecimento é castrador. Ainda houve uns
apaniguados da coligação que vieram ensaiar teoria de sinal contrário: as
pessoas, porque andam entristecidas, refugiam-se nos prazeres carnais. Todavia,
os feitores de outro lado escuro da crise varreram para um canto a audácia
interpretativa. Se os prazeres carnais ainda estão no plano volitivo, a ira que
se apoderou das pessoas torna-as animalescas. A lascívia desumaniza-se. Nesta
altura, entram na discussão outros que estavam dela desinteressados. Procuram
medir a plausibilidade do sexo grotesco e o fio condutor com a crise. Talvez se
interessem pela modalidade. A meio da barafunda, com o fumo dos cigarros a
compor uma densa névoa que baixava do teto, alguns moralistas de serviço
quiseram colocar a discussão dentro dos trilhos (que julgavam) acertados.
Teríamos todos de admitir, à guisa de imperativo categórico, que o empobrecimento
é intencional, uma maquinação – essa sim, grotesca – do grande capital contra
todos que não são ricos. Os outros queriam lá saber da enfadonha querela. Para
ali não eram chamadas as coisas esotéricas que só interessavam a uns
aborrecidos e sempre de pose séria. Era de coisas terrenas, ou por outras
palavras, a dimensão carnal da crise que queriam discutir. A certa altura, o
representante do sexo radical refletiu: “talvez
a crise seja muito erótica. A ver pela quantidade de gente mascarada que
comparece às manifestações...Agora até já vêm de tachos para a rua,
percutindo-os ruidosamente. Tachos e mascarilhas, hum, tenho a impressão que se
esboça uma boa fantasia.” Quem procurava enfeitar a crise com outro
opróbrio (ser antítese do erotismo) já desesperava. O golpe fatal veio do
adepto da coligação em funções. Apontou para a fotografia na página três do
jornal. Numa rua de Atenas, um jovem grego despiu-se de preconceitos na exata
proporção da coragem em que se investiu, arremetendo furiosamente contra a
polícia armada até aos dentes. “Ele há lá
melhor parábola do erotismo?”, atirou, embevecido, para surpresa dos outros
comparsas que desconheciam a tendência homossexual que decaíra.
óh Paulo, não concordo! pois tu não viste as mamocas (perdão, os seios desnudos) daquelas duas manifestantes em frente ao parlamento?...
ResponderEliminarVi, Sérgio! Aliás, diria que foi o meu texto que desatou o espírito de contradição daquelas duas meninas. Ou seja: eu tinha lançado a hipótese de a crise ser anti-erótica. Umas horas mais tarde, as meninas em causa deram resposta cabal.
ResponderEliminarse assim foi, bem-hajas, bem-hajas!
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