11.1.23

Contramão

Neil Young, “Act of Love” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=HqXT-YR2Tmw

Os carrascos são dispensáveis. Em vez de lucidez, a loucura fez-se verbo farto. É o que dizem: em vez de se esperar pela serenidade, levanta-se a voz contra o estabelecido. Os que conservam o estatuído não perdoam. A ordem, para eles, é a legítima prioridade. Os que vierem em contramão serão punidos.

Os que andam em contramão não confessam. Seria uma capitulação que a rebeldia sem freios não permite. Se transigissem, seriam apanhados pelo engodo do estabelecimento. Ao andarem em contramão seriam declarados em contramão. A reincidência como critério é a caução que precisam. Participam da clandestinidade. Não querem lesar os outros; apenas a insurreição como método de pertença. Se os reclamam como parte de uma pertença, dissidem. Não admitem tatuagens contra a sua vontade, forjadas a fogo vivo; sentem-se gado. Não transigem com a perenidade que veda a escotilha por onde veem o exterior. 

A insubmissão deixa-os à margem da ordem – e das ordens que lhe são consequentes. Não dão conta que escolhem um critério. Seguem-no. Seguem uma ordem, por mais que contrarie a ordem estabelecida, mas é a sua ordem. Deste anátema não se desprendem: uma dissidência corporiza uma alternativa; a alternativa não deixa de conter uma ordem. Por serem insubmissos, omitem a mnemónica irrecusável: quem segue uma ordem obedece a uma constelação de ordens. O esvaziamento do poder é um poder de sentido contrário, por mais que o ornamentem com o sugestivo rótulo de “anarquia”.

A antropologia mostra o resto: o tempo amacia as almas e resgata-as para os limites convencionados. Para memória futura, o obséquio do esquecimento para uns, a confirmação do estatuto de outrora para outros. Tomaram consciência que continuar em contramão é insuportável. O risco de colisão frontal é um punhal constante a adejar sobre a jugular. A rebeldia fica por conta do sangue quente que desassossega uma era. 

Páginas depois, o sopor transgride o impulso pela contramão. Ordeiramente, antes que sejam arquitetos de uma desordem que se atire furiosamente contra todos – e eles não são dela excluídos.

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