24.6.24

O ioga do macaco manco

The Chemical Brothers, “Setting Sun” (live at Woodstock), in https://www.youtube.com/watch?v=ssqP54R17Kw

De cada vez que a chaminé bolçava fumaça, os aldeões sabiam que não ia haver novo Papa. Nem que o Papa fosse novo mobilizava as solteiras do povoado, que já tinham tarimba para não caírem em contos do vigário. E por falar no dito, diziam as femininas línguas com algum desassombro de vistas que o cura não era para se desperdiçar, não fossem as noviças devotas seguidoras diz cânones eclesiásticos e a castidade fosse voto não aberto à possibilidade de abstenção.

Pelas barras nas tabernas, cerniam os varões. Os campos de girassóis e as searas tinham sido vendidos a uma multinacional (indiana, corria à boca pequena –  que, por acaso, é desmesuradamente desbocada: todos estavam ao corrente do boato). A multinacional indiana substituiu os girassóis e as searas por um imenso parque fotovoltaico. A força braçal, que dantes estimava a carestia do sol a pino porque auferia um ordenado em contrapartida, estava com os braços em baixo. 

Não era de admirar que os indianos não caíssem nas boas graças, sobretudo das mulheres que impedidas estavam de apreciar, com vocalizações a propósito, os atributos másculos do senhor padre. Elas passaram a ser o sustento das casas e, para agravar o diagnóstico, aturavam todas as noites os consortes embriagados e deprimidos por não terem trabalho. Não eram só os braços que estavam derreados nos varões, que tardiamente e em maus preparos partilhavam o leito cada vez menos conjugal.

Algumas das mulheres casadas, cansadas de aturar tanta frustração, quiseram ensaiar o derradeiro ato de emancipação. Não era no divórcio que estavam a pensar, que a Igreja não perdoa heresias. Pensavam numa espécie de sindicato que lhes trouxesse o reconhecimento do seu lugar centrípeto, definitivamente emancipadas do jugo masculino e prontas a assumirem as rédeas da sociedade. Só que os mesmos dogmas que censuravam o divórcio não condescendiam tamanha latitude feminina. Aos varões, as rédeas da sociedade, muito embora estivessem a arrastar a sua inutilidade e nem o leito conjugal conseguissem honrar. Nunca a sociedade se sentiu tão equina, tão imaculadamente inútil e desigual.

Por falar em fauna, e sem desprimor da flora que atraía os olhares (mesmo os mais desatentos) por causa da irrupção dos jacarandás, um casal de hippies polacos assentou arraiais à saída da aldeia (ou à entrada, para quem é forasteiro e se apreste a inaugurar o domínio territorial aldeão). Viviam como eremitas mas, ao contrário da ideia vulgarizada, consumavam a higiene. A água do rio não estava longe da nascente e as suiniculturas só estavam a jusante daquele pequeno pedaço de caudal. Um pequeno símio acompanhava sempre os polacos. Ora ao ombro franzino dela, ora empoleirado no enorme diâmetro da careca dele, ora saltarilhando daqui para ali, sempre junto aos tutores. 

O macaco era manco, uma das pernas era mais curta. Isso nunca o demoveu de fazer ioga, como podia ser testemunhado pelos aldeãos. Oxalá os varões desempregados pusessem os olhos no macaco manco e começassem a fazer ioga às ideias. Assim suplicavam as consortes, antes que começassem a frequentar a sacristia pelo anoitecer. 

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