The Murder Capital, “Can’t Pretend to Know”, in https://www.youtube.com/watch?v=w78NwHYLjzo
Participamos no entardecer onde a loucura é contrabandeada. Os deuses são uma amostra visível da fúria, desembaraçam-se dos elementos adversários que possam travar a sua ira. Agora que sabem que a tese dos deuses bondosos foi desmentida, as pessoas mergulham na ossatura em branco, como se tudo voltasse à virgindade de uma folha. Falta saber se as pessoas são capazes, sem se entregarem à litania da demência que congela o sangue. Algumas vozes militam a favor da renovação. Já há muito desconfiavam dos deuses – lamentavam, os mais condescendentes, que os deuses estavam a fazer um mau trabalho. Agora que os deuses estão sepultados, as pessoas olham de frente para o tempo e sentem que têm o destino nas mãos. Não se querem precipitar. Não querem ser acusados da soberba divina que deu maus resultados. Todo o sal que traz os lugares ermos a uma condição de proximidade destapa o véu que se abatera, roubando a claridade a que as pessoas se desabituaram. Parece que deixou de haver lugares ermos e todas as pessoas são credoras de uma oportunidade. Um feixe de espectros dança sobre o fio do horizonte. Os mais desconfiados temem que seja a vingança dos deuses, que antes de morrerem terão deixado em testamento a continuidade da sua obra contestável; ou então, sabendo da sua intrínseca incapacidade, os deuses semearam a usura só para que as pessoas continuassem a ser feitas de fragilidade. Os dígitos que se sobrepõem falam como as palavras. Dizem que a linguagem agora é assim. Ainda sem saberem se é outra vingança apalavrada dos deuses, as pessoas limpam o suor do rosto, arregaçam as mangas, querem ser os arquitetos da empreitada. Partem de uma folha em branco. Só depois se saberá de que enredo é feita essa folha.
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