1.11.24

Perna longa

Ólafur Arnalds & Alice Sara Ott, “Reminiscence”, in https://www.youtube.com/watch?v=hffMLTmRe9A  

A meio do assunto, perdem as rédeas. A distração subiu ao sangue e ficaram enredados numa pendência. Sitiados por uma teia onde se emaranha o pensamento, confuso. São vítimas das múltiplas solicitações que fermentam a distração e os desviam de um assunto. Às vezes, com grande perda para esse assunto, que não é retomado.

É como se os ventos tivessem influência em nós. Os ventos que passam pelo nosso lugar já estiveram noutros lugares, já foram respirados por outras pessoas. Esses são ventos que trazem a respiração das pessoas que foram por eles atravessados num momento anterior. São ventos que reúnem uma constelação de influências ao sabor das muitas pessoas que os inspiraram e que, com a sua expiração, serviram a conduta do vento. Não é de estranhar que seja adestrada a distração como inspiração máxima da sucessão de assuntos que passam pelo crivo das pessoas. Ainda bem. A rotina é das piores condenações que se pode conceber.

Os metódicos, que odeiam ser desviados dos assuntos que têm entre mãos, recusam a desorganização mental. Ficam desorientados se uma revoada de temas desfilar sem organização, suplantando a sua vontade – colonizando a sua vontade. Querem ordem no pensamento. É o pensamento que alinha a ordem dos assuntos. Admitem suspender temporariamente um assunto para se dedicarem a outro que de repente exige atenção, mas mantêm o assunto suspenso numa mnemónica que organiza a ordem interior sem a qual se sentem errantes. Os metódicos são os que mais sacrificam a sua liberdade interior. Têm perna curta na disciplina do pensamento.

Quem anda ao sabor do vento, saltitando de assunto em assunto, quase sempre deixando coisas por terminar, é o perna longa que alcança muito mais mundo. Não se atém à mordaça da disciplina interior que alinha tudo criteriosamente num ensaio de perfeição que, todavia, fica sempre por cumprir. Só os perna longa têm ossatura para abrir os braços e contemplar uma miríade de assuntos. Podem soçobrar ao caos interior que os habita. Mas não os podem acusar de monotonia.

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