25.4.25

Estórias sobre as trevas, ou o espantalho das “tarifas” (episódio 2)

Sonic Youth, “Dirty Boots”, in https://www.youtube.com/watch?v=UKLr6c26Vr4

A guerra comercial começada pelo presidente da Samolândia fez vítimas e arregimentou uns idiotas úteis. Na Lusitânia, um líder partidário seguidor do líder da Samolândia também ofereceu opinião sobre o assunto. Se se desse o caso de a personagem chegar ao poder – suplicando nesse sentido, em cartazes profusamente espalhados em praças, rotundas e avenidas não escolhidas ao acaso: “deem-me uma oportunidade”, com ar choroso de quem apela à piedade dos seguidores e de outros que o venham a ser – anunciou que a política comercial seria uma cópia da Samolândia.

Para dar uma impressão de respeitabilidade, e passar a imagem de quem se prepara e sabe do que fala, o líder populista argumentou que é preciso proteger a economia nacional para o mercado não ser ensopado por produtos da Sinolândia e da Carilândia (entre outros países, na maneira de ver do senhor, pouco recomendáveis). Com os políticos às vezes se esforçam por parecerem convincentes, reproduziu o catecismo protecionista do líder da Samolândia: se as importações entrarem sem obstáculos, as empresas pátrias ficam para trás. Como não queremos que o desemprego suba à conta do emagrecimento da economia nacional (e por aquele partido prezam muito a pátria e os seus assuntos), é preciso aplicar “tarifas” para prejudicar as importações. Não é por acaso que o líder deste partido é seguidor do presidente da Samolândia: para além do populismo em que ambos gravitam, agarram-se ao nacionalismo para cimentar lealdades. Esta é um retórica que deixa os outros para trás sempre que se intui uma contradição de objetivos entre eles e nós. Os outros devem ser sacrificados para não nos sacrificarmos a seu favor.

(Ficará para outro episódio a demonstração do erro do unilateralismo, virando as costas à cooperação com os outros, seja através de ações bilaterais, seja no contexto de organizações em que fermenta o multilateralismo.)

É da natureza humana: os seguidismos acríticos, por conveniência ou apenas porque é mais fácil a colagem a alguém que julgamos próximo das nossas causas (quando as causas são deles e nós é que as adotamos), costuma dar mau resultado. Não para quem é copiado, mas para quem copia. É o caso do líder deste partido que não se cansa de exaltar a lusitanidade e despreza os outros. Iliterato, passeia o desconhecimento sobre a economia do país, muito dependente do que compra ao estrangeiro e do que é vendido para o mercado internacional. Seguir acefalamente o ensimesmar comercial do líder da Samolândia virar-se-ia contra a economia do país de que aquele líder quer ser primeiro-ministro. Primeiro, há muitas mercadorias nacionais que usam matérias-primas compradas ao estrangeiro. Impor “tarifas” acaba por prejudicar a competitividade das empresas nacionais. Segundo, no afã de seguir quem o inspira na Samolândia, o líder deste partido lusitanista ignora que o país não está sozinho no mundo e que a probabilidade de outros também aplicarem “tarifas” anula o efeito pretendido. As “tarifas” não chegam a dar competitividade às empresas nacionais, pois os países afetados não demoram a reagir na mesma moeda. As vantagens depressa se dissipam.

O líder do partido que prometeu copiar o unilateralismo da Samolândia é um tonto que medra na ignorância do que o rodeia. Ao prometer, assertivo, que se for escolhido para governar vai aplicar “tarifas” para proteger a economia nacional, faz de conta que a Lusitânia não pertence à Europólia. Ou ignora as regras de funcionamento da Europólia, pois as decisões sobre “tarifas” não estão na órbita dos governos e pertencem à Eurpólia a título exclusivo. O líder do partido está tão mal preparado que prometeu fazer algo que a pertença à Europólia o impede de fazer. A menos que a sua agenda oculta seja tirar a Lusitânia da Europólia. O mal não ficou por aqui: entre os seus concorrentes, ninguém denunciou a impossibilidade prometida; e até os jornalistas, mais atentos a fait divers e a minudências, deixaram passar a boutade em branco.

A guerra comercial deixa um rasto de vítimas. O líder deste partido da Lusitânia é mais um que foi consumido pela jactância e pelo seguidismo de um dos seus gurus contemporâneos. As “tarifas” disparam contra as importações, mas há personagens que são atingidas pelo fogo cruzado.

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