3.6.24

Navegar entre catástrofes

Explosions in the Sky, “All Mountains”, in https://www.youtube.com/watch?v=AASj-Wfbnxc

Podia ser poeta sem escrever poemas. 

Aquele dia era para apreciar azulejos, a traça que devolve um pulsar à cidade antiga. Antes de haver promessas de apocalipse e as pessoas terem medo de respirar, à espera de uma travessura da natureza. Há lugares que ficaram no desterro de deus, dizia do lugar ao lado, como selo da resignação que atestava uma missão avulsa. É preciso arrematar um dicionário de distrações para sermos fingidores sem fingirmos que não somos.

Pensou que devíamos reaprender o que aprendemos na escola. A escola esqueceu-se das ferramentas contra as catástrofes. A escola foi minimalista, e quem a fabricou foi tutor de um logro. Somos preparados para as catástrofes como exceções. Se forem medidas com a imprecisão do tempo, elas valem uma parte infinitésima. Não merecem o selo de contingência. Outra medida mais precisa do tempo é esquecida: as feridas abertas demoram a cicatrizar e essa cicatrização tem de ser estimada. 

No lugar do lado, contradisse: as catástrofes estão juradas para o porvir, mas ninguém sabe quando será a sua vez. Não merecemos a apoplexia contínua de quem está na véspera de um desastre. Não é desta qualidade de vida que é feita uma pertença. Devíamos aprender a viver num palco de sombras. Ter o direito a sermos apenas atores, em vez de personagens. E não sermos apedrejados pelos que se elevam a um olimpo de onde esbracejam o ensino de condutas aos outros. 

Seria como encontrar ilhas que nos permitem aportar entre catástrofes. Sabemos da sua existência. Sabemos que o futuro não se esconde delas. Não temos o dever de correr o tempo contínuo com o espectro de fantasmas a esvaziar as cores vindouras. Convocar o sobressalto perene é como hipotecar o sempre pouco tempo que temos em crédito. 

Não queremos mandantes omissos, nem mandantes que se insinuam, messiânicos, como se lhes coubesse evitar catástrofes. Não nos podem os opor aos acasos. Por mais que seja o nosso ocaso. 

Pois há poemas que se fazem sem poetas.

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