24.7.24

No fio do arame

The Mysterines, “The Last Dance”, in https://www.youtube.com/watch?v=MtUM1wo5y-Q

De onde são as metáforas que se enxertam no mapa de que somos procuradores? Como nos chegam já em forma de matéria incontestável, como formulações fechadas à inquirição? São um dos anátemas do conservadorismo, ou apenas um código semântico que nos situa no ecossistema de que fazemos parte?

As metáforas têm a intenção de atirar para cima do entendimento uma capa de segundos e terceiros sentidos, às vezes até de sentidos ocultos que só a metáfora consegue desembaraçar. Podem ser uma armadilha para complicar o entendimento: se em vez de metáforas – um esconderijo de palavras que disfarça as que são o mote para a sua existência –, fôssemos confrontados com a literalidade do que nos querem dizer ou do que dizemos, não tínhamos de descodificar os segundos e terceiros sentidos, ou os sentidos ocultos.

Há a possibilidade que uma metáfora seja um jogo. Um jogo intencional: ao cobrir as palavras literais com uma metáfora que as disfarça, um desafio atira-se para cima de nós, os que somos convocados ao entendimento da metáfora. Não se creia apenas no ludismo das metáforas. Às vezes elas sobressaem como matéria titular que expande o significado das palavras. Estas enriquecem-se, ao significarem mais do que o seu sentido exato.

O ecossistema alarga os limites ao ser avivado pelas metáforas. Ao vocabulário emprestam-se novas geografias e as pessoas são colocadas diante de um repto: ou acompanham a prodigalidade semântica das metáforas, ou ficam para trás, acorrentadas ao sentido estreito em que se afunilam as palavras às quais seja recusada a possibilidade de uma metáfora.

O desafio não é isento de senãos. Se não for convergente o entendimento de uma metáfora capturado pelo sentir geral, haverá quem, desalinhado, atravessa um fio sobre um precipício, sempre à espera que o deslize no sufragar de uma metáfora corresponda ao passo em falso que o atira para a vertigem. São poucos os que se oferecem à empreitada de atravessar um desfiladeiro em cima de um fino fio de arame – poucos são os que têm vocação para o malabarismo. Os que não conviverem com o risco ficam para trás na constelação de metáforas que se entretece. 

As metáforas só deixariam de ser um luxo se não empurrassem as pessoas para o fio do arame. Ou se perdessem em complexidade e ganhassem em entendimento geral. Só que, nessa altura, talvez deixassem de ser metáforas.

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