25.7.24

Salva-vidas

Lush, “Desire Lines”, in https://www.youtube.com/watch?v=1ccElDZUTpQ

Não esmorece o tédio quando a desaceleração ameaça o sangue com o torpor. Há quem não saiba não fazer nada. São adversários da preguiça, do nada fazer, porque em férias se espera que não haja compromissos, empreitadas, agitação herdada do tempo a elas prévio, horários a cumprir; em que se espera apenas que não se espere nada, a não ser a fruição de um tempo vagaroso que deve ter o seu compasso próprio.

Há quem deixe o relógio em casa quando está de férias. A astuciosa manobra está em vias de extinção, agora que somos dependentes dos telemóveis, pois os telemóveis mostram a hora quando o dedo desliza sobre a tela escura. Quem está preparado para deixar o telemóvel em casa, ficando incontactável nos dias seguintes? A pergunta deve ser feita desta forma: quem está preparado para sentir a amputação da ausência do telemóvel?

O telemóvel é o melhor candidato a ser um salva-vidas. Pode salvar vidas, quando um telefonema faz a diferença entre a civilização e um ermo, incontactável, lugar. Quem está dependente do tempo e se lamenta porque o tempo avança depressa de mais não entende que tem de abrandar antes que seja férias, ou que em férias devia ser interditado o acesso (nem que seja apenas mental) ao trabalho. 

Logo a seguir, intervém o adepto das liberdades acima de tudo (e das pessoais ainda mais): o que cada um faz com o tempo e com as férias é da sua conta. Não revertem em desfavor dos outros os eternamente viciados em trabalho que o levam para férias. São de uma generosidade desarmante: o trabalho não costuma ser convidado para as férias por manifesta incompatibilidade. Os que o convocam para o período estival não bulem com o tempo livre dos outros que aproveitaram as férias para se livrarem do trabalho, com o encosto da lei. Nem estes precisam de invocar o salva-vidas das férias contra a intrusão do trabalho, nem aqueles adulteram as férias porque deixaram que o trabalho as invadisse, não sendo legítimo ditar para a ata que precisam de um salva-vidas que os salvem do trabalho sem intervalos. 

Eles é que estabelecem os seus salvos-condutos. Não são os outros que decidem sobre os nossos salva-vidas.

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