The Cure, “Alone”, in https://www.youtube.com/watch?v=sx9SVAtMkJM
A morte, essa cabra, não desiste. Subtrai as pessoas à vida, umas cedo de mais. A morte, façanhuda, conspira contra os que querem saber que em vida têm muitos mares a cultivar. A morte, quando nos é próxima, é filosófica. Obriga a pensar. Leva a juras que se antepõem a mudanças sentadas no astrolábio do futuro. Até à morte que nos é próxima, vamos esquecendo o valor incalculável da vida. Esquecemos que nós, os que ainda não fomos vítimas da morte filha-da-puta, somos a vida que se emoldura em sublimes fragmentos poéticos. Esquecemos o fio frágil da vida e atiramo-nos às angústias, às quezílias, às coisas que nos desenamoram da vida, como se andássemos à procura dos vultos facínoras que estão de atalaia, à espera da nossa vez. A morte próxima, a morte que vem sem aviso de receção, é um profundo abalo sísmico. Não disfarçamos se plantamos outra jura no caminho: a morte ensina a fragilidade da vida, ensina a sua efemeridade. E se queremos ser cultores da vida, como se ela dependesse de cada um e não contrário, temos de a tomar pelas rédeas e fazer dela aquilo que vier ao estuário por força da nossa vontade. A morte é heurística. Não para fazer de conta que não ficámos tristes; é heurística porque ensina a projetar outro olhar sobre a vida. Vamos tomá-la como se fosse uma pega de caras. Vamos esquecer os mesquinhos motivos que nos forçam a desperdiçar tempo, a deitar fora pedaços da vida que depois, à vinda da morte, já não podemos resgatar. A morte intimida: para um agnóstico, a morte não é um parágrafo; é o ponto final, a página derradeira que já não vai ser virada, por falta de comparência. A morte intimida muito. Mas a morte próxima, a que ronda de perto a nossa existência, dá o ânimo de sermos vida plena caso tenhamos esquecido que a vida pela metade é a pior forma de a merecermos. À homenagem merecida da pessoa próxima que partiu, juntamos a jura de sermos vida inteira. É a homenagem viva que podemos deixar ao amigo que foi agarrado pela morte.
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