8.11.24

Dezasseis mandamentos para fugir da atualidade

Mogwai, “Lion Rumpus”, in https://www.youtube.com/watch?v=msqM3QGU92A

#1 – Foge sem fingires se a fuga for exílio voluntário, mas irrecusável, do atual estado das coisas.

#2 – Atravessa a maresia que se levanta no zimbório da madrugada, que o tempo a essa hora é feito de ausências.

#3 – Convoca a claridade para o teu olhar, preenche-o com uma página em branco que espera por uma fotografia onde tudo se apura na sua lhaneza, sem os equívocos fabricados por farsantes e a armadilha em que são apanhados os seus antagonistas.

#4 – Nunca saias à rua sem a poesia que fala em teu nome.

#5 – Dá-te à imaginação que se congemina a favor no palco sem espinhos a que sobes sem medo dos caçadores que não se desamparam da estultícia.

#6 – Aprecia as flores que vicejam nos arbustos da montanha, nota como elas compõem a paleta de cores que depõe a favor do arco-íris.

#7 – Desinteressa-te dos que, em pose grave, exercitam os seus oráculos. A atualidade a que viras costas será ainda pior com o desenho dos prefaciadores do porvir.

#8 – Mergulha nas teclas de um piano, por mais que sejas amador.

#9 – Desamarra os medos que sobem pelas costas dos dias e deixa-te estar como embaixador do tempo presente que se esconde da sua medida.

#10 – Sepulta os fantasmas num lugar avulso e ermo e esquece-te do seu paradeiro.

#11 – Consagra-te aos vícios que te apetecer sem receio do olhar acutilante e densamente moralista dos outros. Ensina-lhes que as vidas deles são indiferentes.

#12 – Combina números de memória com as estrofes de um poema arrancado de uma página ao acaso.

#13 – Exalta a música que te isola do resto como um idioma à prova de regras.

#14 – Adormece por dentro dos sonhos de que já não tens inventário, eles sussurram o roteiro magno do dia estilhaçado.

#15 – Comparece na praça deserta, fecha os olhos, e submerge no labirinto que se entretece no tempo furtivo.

#16 – Acorda com o suor pendido na testa, os sonhos ilegítimos proscritos, e uma vontade irreparável de sair sem roteiro, preso pelo peso do acaso, furtivamente à revelia da atualidade.

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