Kiasmos, “Burnt”, in https://www.youtube.com/watch?v=bR9-2As-XMk
Tomava conta dos refrões. Podia ser que mais ninguém os usasse. E depois, o que seria das pessoas se fossem privadas dos refrões?
Que fosse tomada por boa a intenção. O uso repetido de refrões banaliza a linguagem. Traz para dentro dela os lugares-comuns que têm um efeito-eucalipto nas palavras, que perdem originalidade e ficam ao deus-dará, usadas e abusadas numa corruptela que abrevia a decadência do idioma.
(Mas: nem a tanta riqueza do vocabulário – já alguém inventariou o número de palavras que fazem parte do dicionário? – transige com a natural banalização de muitas palavras, de tão usadas que são.)
Era como dissolver os refrões das músicas e guardar as estrofes restantes. E perceber o resto: as palavras sobrantes precisam do refrão para terem sentido? Ou ganham mais sentido se vierem somadas do refrão?
Chocamos de frente com expressões banalizadas e que ora são redundantes (“há três anos atrás”), ora são uma deseconomia de palavras por uso excessivo de uma delas (“totalmente gratuito”), ora tratam de aportuguesar estrangeirismos à pressa (“o que se pede ao colaborador é que esteja engajado com a empresa”; ou “análise compreensiva”). E depois vulgarizam-se, entranham-se na fala. As pessoas acomodam-se ao seu uso corrente. Usando-as recorrentemente. Confirmando-se a ausência de espírito crítico, através da propensão para alinhar com as facilidades, mesmo que facilitar corresponda a um incorreto uso da língua.
Os refrões são os assassinos da língua. Mesmo quando não encerram erros gramaticais ou de sintaxe, são contaminados pelo abcesso da mentira – da mentira que, de tantas vezes apregoada, e de boca em boca, acaba por se transfigurar em verdade forjada. Os refrões adoentam o idioma. Tornam-no repetitivo, liquidam a originalidade que a riqueza do idioma oferece. Esta é uma dádiva que as pessoas omitem. É estranho: elas costumam ser diligentes na procura de brindes, numa caça às borlas que daria azo a manuais de economia comportamental. E, no entanto, fogem da gratuitidade do idioma tão rico que é o da sua fala.
Se pudesse, tomava conta dos refrões. Seria seu procurador, com o propósito de os armazenar a sete chaves, escondendo-os do uso (re)corrente. Seria a minha assinatura.
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