Nirvana ft. St. Vincent, “Lithium” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=LM9sq5GENbE
Muitos cultivam a arrogância. Pode ser uma defesa – quantas vezes, durante a sua vida, terão tropeçado em arrogantes que cavalgaram a arrogância em cima deles, atirando-os (ou querendo atirar) para a subalternidade?
Agarram-se à arrogância sem disfarce, o selo expoente da desconfiança criteriosa que dedicam os outros. Desconfiam por desconfiarem que todos os outros desconfiam deles e que essa desconfiança precede a sua desconfiança – uma desconfiança apenas por reação. Não se pode descontar a possibilidade dos outros, os que praticaram a desconfiança num momento pretérito e os que só a ela se abraçam na posteridade, contestarem os termos da desconfiança. Enquanto andarem entretidos com a magna questão de saber qual foi a desconfiança que deu origem à desconfiança posterior, quase toda a gente é colonizada pela desconfiança e poucos sobram para explicar como é confiar e ser confiável.
Esta zona cinzenta da mente condena a um especismo judicioso que mata à nascença a cooperação entre as pessoas – uma contradição de termos. Quando se alarga a teia de desconfianças, extingue-se o incentivo para a confiança. Soa a conceito datado, mera curiosidade arqueológica que não sai das páginas dos dicionários que evitam que o conceito se perca de vez. Ninguém confia: e sê-lo-á muito mais porque poucos são de confiar, não porque grande parte dos que desconfiam podem alegar em sua defesa que já foram vítimas da desconfiança.
Pelo andar do tempo fora, uma corda aperta-se à volta da jugular. A espécie torna-se um espelho baço do que poderia ser se as especulações dos otimistas pudessem ter vencimento. Já não é da humanidade adulterada que se trata; a desconfiada face que cobre a espécie tornou-se identidade. À conta da caudalosa desconfiança, os que ousarem avançar contra o princípio geral da desconfiança só têm a seu favor o alívio da consciência. São as vítimas preferidas dos mastins gerais que se alimentam, e alimentam, a desconfiança.
É neste pano puído, amarelecido pela adulteração constante que se tornou comportamento convencionado, que se deita a espécie destratada. Quando desconfiamos porque esse é o criterioso imperativo que se veste de arnês, amarelecemos o pano e deitamo-nos no estertor da decadência. Não venham os cânones convencer que somos habitantes numa paisagem bucólica que não passa de um sonho: somos gregários só para sermos obedientes aos imperativos da ordem social.
A desconfiança torna ilegítima a condição gregária, corrompendo as boas intenções dos instrutores da nossa gregária condição.
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