Morrissey, “How Soon Is Now” (live at Festival Viña del Mar), in https://www.youtube.com/watch?v=5z6aACs1MKQ
Entre a página quinze e a página dezoito estavam duas páginas em branco. No prefácio estava a explicação: o leitor tinha liberdade para escrever o que lhe apetecesse nas páginas em branco. Desse seguimento ao enredo antecedente, ou não. Se desse continuidade ao enredo, podia confirmar, três páginas depois, se o enredo escolhido pelo autor coincidia, e em quanto, com a sua hipótese; podia intuir em que fração conseguia meter-se na cabeça do autor. Se não quisesse perfilhar o fio condutor da história, o autor dedicava-lhe umas palavras no posfácio: agradecia que digitalizasse essas páginas e as enviasse para o seu email pessoal.
Segundo o contrato com a editora, ao fim de seis meses o autor e a editora fariam o apuramento dos itinerários dos leitores. Quase dois terços dos leitores que responderam ao desafio não deram seguimento ao fio condutor que a história havia seguido até à página quinze. O autor não o disse a ninguém, mas saboreou o momento como uma conquista pessoal: era sinal que a história não era previsível; tinha congeminado um enredo original.
Mas não era isso que interessava ao autor e à editora. Queriam perceber os vários itinerários seguidos pelos leitores que não se acanharam perante as duas páginas em branco e corresponderam ao repto. Nas curtas duas páginas deixadas ao critério dos leitores, as história multiplicaram-se. Quando tinham contacto com as páginas anteriores, o contacto era marginal. Os autores que partiram desde a posição de leitores deslaçaram as portas da criatividade e construíram uma miríade de histórias, multiplicando as possibilidades – desde as que tinham alguma ligação com as páginas precedentes, até às que arremeteram por caminhos originais e imprevisíveis, como se, nestes casos, os autores que partiram desde a posição de leitores quisessem afirmar a sua autonomia perante o autor.
A versão preferida foi esta:
“Fiquei surpreendido com as duas páginas em branco a partir da página 15. Só quando acabei de ler o livro e encontrei o posfácio é que percebi a charada. Se não fosse assim, estava convencido que tinha sido uma gralha da tipografia – uma gralha parecida com a que me impediu de ler o prefácio, pois as duas páginas que o contêm estavam coladas uma à outra.”
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