15.7.25

Vender a alma ao diabo

Ólafur Arnalds, “Still/Sound” (Sunrise Session), in https://www.youtube.com/watch?v=-ndx4GOxpqc

O diabo tem rosto e tem nome. E não é diabo, o seu nome. Se alguém vende a alma ao diabo, é porque a identidade chegou ao seu conhecimento. Há nomes que vêm a tiracolo do diabo. O resto fica por conta das almas piedosas que se dedicam a fazer julgamentos dos que vendem a alma ao diabo. Alguns deles serão o diabo disfarçados de penhores da moralidade.

Os que vendem a alma ao diabo serão apedrejados pela moral coeva. Estão – dizem as línguas populares – em maus lençóis. A génese dos lençóis de má rês é a sua ligação ao diabo. O diabo tem este efeito peçonhento, onde toca fica tudo contaminado. Todavia, as pessoas devem ter cautela com o que fazem e com os julgamentos sumários dos outros: não é por alguém estar em maus lençóis que se deitou com o diabo – ou, por outras palavras, há lençóis puídos para além dos que foram contaminados pelo demo.

Os que vendem a alma ao diabo estão pior dos que se limitam a empenhá-la. Seria a conclusão liminar do pensamento corrente. Está errado. Quem empenha a alma ao diabo recebe um estipêndio pela transação. Dela se vê desapossado enquanto persistir o contrato de hipoteca – a alma fica longe do corpo que titula e o pobre corpo limita-se a vaguear numa orfandade sem paradeiro. Alugam-na temporariamente, não se importam com o (certamente) mau uso que lhe será dada. 

Pode-se contrapor que empenhar a alma ao diabo é menos mau do que vendê-la, pois quem a vende nunca mais a resgata. Quem a empenha pode a qualquer momento levantar o penhor e reapossar-se da sua titularidade. Há três contraindicações que não confirmam o lugar-comum. Primeiro, não é possível apurar os danos causados pelo uso da alma pelo diabo. É provável que lhe tenha sido dado mau uso. Não se esperem usos nobres ao estimar a atividade do diabo. A alma resgatada do penhor é uma alma a precisar de reparação, podendo até ser irreparável. Segundo, o diabo pode recusar a intenção de resgate do titular original da alma. Enquanto se mantiver essa recusa, o temporário vai sendo adiado numa medida próxima do perene. Terceiro, nas condições contratuais da venda da alma ao diabo não há cláusulas que impeçam o seu resgate. O preço terá de corresponder ao empate de intenções entre o demónio e o titular da alma. E à vontade de o diabo concordar com a devolução da alma. 

Para os puristas, recomenda-se que a alma fique longe do território por onde o diabo erra. Mas mesmo esta recomendação está datada, agora que tudo e mais um par de botas se compra e vende online

Alguém sabe o domínio do diabo na Internet? (Será db?) E os que vendem, ou empenham, a alma ao diabo, não se transfiguram num demónio?

Sem comentários: