4.7.25

Agora que o Dalai Lama anunciou a reincarnação, há um lampejo de esperança

Dapunksportif, “Rock’n’Roll Salvation”, in https://www.youtube.com/watch?v=yooVZxyIPw0

Este é um texto arriscado, pois os tempos que vivemos são vítimas das emboscadas dos que não aceitam a dissidência ou confundem a crítica, ou apenas um juízo, seja estético, ético, ou metafísico (sempre legítimos, em homenagem à liberdade de expressão), que depressa é entendido como uma flagrante violação do seu estatuto, da sua pessoal maneira de se situarem perante um determinado assunto, da sua liberdade pessoal. 

A religião é um dos domínios onde se ouve dizer que “não se brinca com coisas sérias”. Talvez este texto (e o seu autor) não arrisque assim tanto: o texto não é sobre o catolicismo imerso num estatuto ambíguo, entalado entre o legalismo da laicidade e os ainda usos enraizados que lhe imputam o estatuto de religião oficial, muito embora não o seja pelas leis da república. Este texto é sobre o Dalai Lama que, em idade idosa e pressentindo o fim da sua vida terrena, veio anunciar que está preparado para o processo da (sua) reincarnação.

O texto não é covarde por saber que há poucos seguidores do budismo entre nós. Aliás, o texto poderá ser uma sátira ao aviso de receção da reincarnação do Dalai Lama, mas nunca porá em causa o respeito por aqueles que são seus seguidores. A sátira não agride, a menos que os seguidores ou simpatizantes da pessoa ou da causa satirizada gritem as dores de parto e tresleiam o significado de uma simples sátira. A esta advertência soma-se outra: a sátira ensaiada é-o por boas razões que não desmerecem o alvo da sátira: o(a) leitor(a) irá perceber que a sátira é motivada por uma causa nobre.

Quando li que o Dalai Lama vai reincarnar, exultei. (Não me interessa que a União Europeia não aceite que a China interfira no processo, pois essas questões transcendentais ultrapassam a esfera de influência dos poderes terrenos, mesmo que diga respeito à toda-poderosa China.) Eu, que tanto amo a vida e tenho medo da morte, vi no anúncio do Dalai Lama uma possibilidade para prolongar a existência depois de o corpo se apagar. Eis um dos malefícios do agnosticismo: limitando as expetativas de vida à sua correspondência terrena, a morte é assustadora, um vazio tenebroso – o medo maior (esta é a pessoal manifestação de autêntico otimista existencial).

Ao saber que o Dalai Lama vai reincarnar, consegui apaziguar o medo da morte. Por ser tanto ao amor à vida, e por tanto a querer viver, quero acreditar que se o Dalai Lama vai reencarnar essa possibilidade também me será conferida. Assim manda o princípio da igualdade; e o Dalai Lama será tão de carne e osso como eu. Admito que este lampejo de esperança assente no cimento do oportunismo. Hoje, quando me deitar à espera do sono, espero que seja mediado por um sono idílico, confirmativo da futura reincarnação. Por via de dúvidas, continuo à espera que esta confirmação esteja aprazada para daqui a muito tempo, porque, assim como assim, prefiro a certeza da vida tangível à incógnita de uma reincarnação póstuma. Pois a vida é a causa mais nobre a que os vivos se devem dedicar.

Amanhã mando notícias sobre o sonho que me calhou em sorte e as probabilidades de reincarnação.

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