4.12.25

XLVI

The Hard Quartet, “Our Hometown Boy” (live at WFUV), in https://www.youtube.com/watch?v=FAkQ9tQ0rrw

“I danced by violet times.”

O tempo que queriam privatizar era o tempo cronológico. As coisas mudavam de feição, assim sendo. A efemeridade do tempo pesa sobre as costas, da mesma forma que cada segundo descontado à finitude do tempo exacerba a angústia quando se confirma que a perenidade é uma ilusão. O tempo é escasso – e não há pior lugar-comum para tirar a fotografia da apoplexia que se abate sobre quem vive cercado pela sensação de que o tempo rareia para tantas empreitadas que na vida ficarão por saldar.

O tempo foi, desde sempre, um mal nacionalizado – e aqui “mal” aparece como antónimo de “bem”, figurando o “bem” no sentido que os economistas costumam empregar. Como mal nacionalizado, o tempo não só é a circunstância que toma conta de nós, como também é a contingência que nos acondiciona a uma passividade irremediável. O tempo corre por sua conta, indiferente a todos que dele dependemos. Um tempo assim congeminado é das piores tiranias que se impõem às pessoas.

Que avance, pois, o abaixo-assinado pela privatização do tempo. Uma utopia acabada, com os contornos de um sonho que entra na geografia da fantasia. A cada momento, ser-nos-ia destinado cuidar do tempo. Algumas vezes, poderíamos acelerá-lo. Outras vezes, abrandaríamos a sua impertinente cavalgada, quando a efemeridade do tempo, que se consome num instante, esgotasse os prazeres a que podemos meter as mãos. Como se a cada um estivesse destinado um relógio pessoal (e não estará?) e esse relógio não fosse comandado pelo tempo tirano, o tempo que manda em si mesmo e no relógio que o mede, mas por cada pessoa que passaria a tutelá-lo.

O tempo privatizado seria a maior oferta de liberdade individual. Dir-se-ia, a consumação quase plena da liberdade. Andaríamos todos sob os auspícios de relógios diferentes. Provavelmente, haveria meses mais demorados para uns, anos encurtados para outros, e até muitos a quem a privatização do tempo seria indiferente e, portanto, continuariam afinados pelas convenções oficiais do tempo. Privatizar o tempo seria acabar com uma das piores tiranias que compõem a História da humanidade. 

Contem comigo para a petição a reivindicar a privatização do tempo. Contem comigo para comícios apaixonados que mobilizem os apaniguados da privatização do tempo. Contem comigo para tudo o que ditar a emancipação de algemas, reais ou imaginadas, que limitam a autonomia do ser. Contem comigo para estilhaçar a mordaça do tempo, pois há sempre tanta vida que fica por viver e a culpa é sempre da efemeridade do tempo. E o tempo só é efémero porque foi nacionalizado desde o úbere da humanidade.

Contem comigo para contar o tempo pela minha medida.

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