Deftones, “Sextape”, in https://www.youtube.com/watch?v=f0pdwd0miqs
Voltar à definição original de turismo talvez ajude a perceber como o turismo está adulterado. Quem faz turismo, sobretudo no estrangeiro, quer conhecer uma cultura, um idioma, uma gastronomia, pessoas, paisagens, locais e monumentos e uma arquitetura diferentes. Fazer turismo é fazer com que o turista se embeba na cultura do lugar visitado.
Hoje, o turismo massificado está a adulterar o significado original de turismo. Dirão os indulgentes: o turismo não está adulterado, atualizou-se aos novos tempos que democratizaram o ato de fazer turismo. Pode-se invocar a massificação do turismo, com um certo pendor pejorativo a tiracolo. Ou atualizar o diagnóstico, extraindo a carga normativa e utilizando a expressão “democratização do turismo”. Voos baratos, com o aumento da concorrência no sector, facilitaram as deslocações. Muitas vezes, é mais barato voar do que fazer o mesmo trajeto de comboio. O(a) leitor(a) nem imagina como esta constatação tem elevados danos ambientais e aflige os ambientalistas (e com razão).
Atrás das facilidades de deslocação vem a acessibilidade no alojamento. Não são apenas os tradicionais hotéis que alojam os turistas. Novas categorias de alojamento – hostels, alojamentos locais, airbnb, etc. – acrescentaram oferta e baixaram os preços das estadias. No caso de países que têm um custo de vida abaixo da média europeia, é outro atrativo que funciona a favor da popularização do turismo, tornando-o um sector próspero e com grande peso na economia nacional.
Cidades que entram nos roteiros turísticos atraem cada vez mais turistas. Não está em causa qualquer hostilidade contra os estrangeiros que nos visitam. A convivência cosmopolita com os outros é dos maiores benefícios do turismo. Com outra vantagem aplicada aos tempos medonhos que vivemos: a convivência com o outro educa-nos para sermos cosmopolitas, aprendendo com os outros e estando disponíveis para partilhar aspetos da nossa cultura com eles. Oxalá que este efeito pedagógico do turismo sirva para amortecer um ensimesmar nacional que tem motivações exógenas (os imigrantes vistos como inimigo e o medo fátuo de eles adulterarem quem somos), mas que pode atear um rastilho de intolerância que se pode estender aos turistas.
Os problemas da massificação do turismo estão fora dos fatores mencionados. Muito embora se mantenham os ex-libris nos lugares visitados e haja fatores rígidos da cultura que não se alteram, observa-se uma “customização” dos lugares turísticos à imagem da mole heterogénea que são os turistas. A metáfora dos bares ingleses foi peregrina neste efeito: a primeira coisa que muitos turistas britânicos fazem, assim que desembarcam no destino turístico, é procurar os bares ingleses. Esta “customização” é significativa: a indústria do turismo molda-se às preferências dos turistas. Perde alguns elementos idiossincráticos que constituem o magma da cultura nacional. A indústria quer que os turistas estrangeiros se sintam em casa quando estão no estrangeiro. As pessoas fazem turismo mas precisam de se sentir um pouco em casa quando estão longe dela. Ora, isto é a definição de adulteração do turismo. Porque o turismo se deslaça da sua componente cultural.
Outro problema da “customização” do turismo é a homogeneização da indústria e de comportamentos. Tirando o caso de restaurantes que continuam a divulgar a gastronomia autóctone e os monumentos que são imunes à vaga de massificação turística, os lugares a visitar, seja na restauração ou nos lugares que aparecem nos roteiros, são cada vez mais iguais, seja no Porto ou em Helsínquia. O turismo está a perder a originalidade. Está virado para os visitantes, em vez de os visitantes terem abertura mental para descobrir pessoas, lugares, culturas, comidas novos.
É o turismo – a sede de tanto e estandardizado turismo – que está a matar o turismo.
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