20.6.25

Queremos todos ser muito amados por muitos?

Max Richter, “And Some Will Fall”, in https://www.youtube.com/watch?v=m1jhNC2mh20

O amor é um bem raro. Deve ser tratado com os cuidados que merecem os bens que são raros. Se é um bem rarefeito, quando o temos nas mãos não o podemos esbanjar. Ele há tantas almas empenhadas na angústia por terem sido apanhadas pela armadilha do desamor.

A relação entre uma pessoa e o amor tem dois sentidos. A pessoa como destinatária do amor e a pessoa como o tratador do amor. No primeiro caso figura como sujeito passivo, cuidando do amor que alguém lhe dedica. No segundo caso – o mais exigente –, os cuidados de quem tutela o amor trazem a sensação de fragilidade que parece diminuir o tamanho do corpo. Às vezes, é uma relação assimétrica. Outras vezes, o sujeito passivo sopesa o amor que lhe é dedicado de maneira diferente daquele que lhe dedica esse amor. Os mal-entendidos podem arrefecer um amor, podem-no matar, até. Se um mal-entendido não sobreviver ao amor, o amor é treslido ou deixou de existir.

Sendo um bem que rareia, as pessoas deviam andar à procura de muito amor. Quantos mais pessoas os amem, maior o amor que lhes é destinado. É um erro. Primeiro, estamos hipotecados às convenções que ditam a monogamia como padrão de conduta. Segundo, há diferentes tipos de amor: o amor conjugal, o amor filial, o amor maternal e paternal, o laço do amor familiar, o amor abstrato, antropológico. Haverá amor na amizade? (E a amizade tem de existir no amor, ou são sentimentos separáveis?) A soma de todas estas parcelas constitui o amor.

Aqueles que querem ser amados por muitos deviam ser processados por atentado ao valor do amor. Sua é a responsabilidade pela banalização do amor, que deixa de ser um sentimento raro e se confunde com outros sentimentos. É como a amizade. Há pessoas que se orgulham de terem dezenas, centenas, no caso dos mais populares (e ambiciosos), milhares de amigos; e que mudam de amigos como quem muda de roupa interior, depressa encomendando amigos de ontem para o lugar do esquecimento. Aqueles que desejam ser amados por muitos nunca chegaram a saber o que é o amor. Não teriam tempo que chegasse para usufruir todo o amor de que se julgam credores. Corrompem o amor e deviam ser processados pelo crime de especulação sentimental, como acontece aos que açambarcam bens para os venderem caros em momento de escassez. Esses são os responsáveis pela usura do amor. 

De tanto ser treslido, um dia destes o amor deixa de pertencer ao dicionário das almas.

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