The Divine Comedy, “Invisible Thread”, in https://www.youtube.com/watch?v=5VXSQQ5YDIU
Atravesso as planícies bordejadas pela luz do sol enquanto os minutos se antecipam na clepsidra dominante. Rumo, não fujo. Num pulsar interior que ferve as veias, aproveito o espaço isento de fronteiras para me desapossar das terras conhecidas enquanto parto em demanda das que não conheço. Parto sem rota nem mapas. Sigo o mapa interior que costura as bainhas da viagem.
Vou emoldurando na memória os fragmentos visíveis. Uma cordilheira montanhosa, um rio caudaloso, uma planície levemente ondulada, uma cidade apessoada, um cais decadente que outrora foi imagem de grandeza, as vozes dos diferentes idiomas, as diferentes camas de hotéis que foram testemunhas do sono, os sonhos, entretanto, amoedados na alquimia da viagem, a certa altura, os diferentes alfabetos que dão voz à toponímia, os pores-do-sol que são diferentes em diferentes ocasos. Afinal, há fronteiras com modos tradicionais. Polícias mal-encarados, sempre desconfiados, enquanto inspecionam o passaporte, alternando o olhar ameaçador entre o passaporte e meu rosto, como se desencorajassem de continuar a viagem.
Prossigo, ainda sem rota a não ser a que já ficou desenhada no inventário do passado. Há de ser uma volta ao mundo ou uma volta a qualquer coisa que esteja alinhavada no horizonte mental. Se calhar, amanhã tenho saudades e dedico-me ao regresso – em viagem direta, ou a mais direta possível, ou através de outra viagem que não repita a rota testemunhada. Ou prossigo a demanda, marcando no mapa mental as cidades, os lugarejos bucólicos, as pessoas inesperadas, as estradas sem marcação, os idiomas mais ininteligíveis que açambarcam a medida da distância. Cada dia será soberano da sua vontade; ou hei de ser o soberano da vontade que se levanta na orla de cada dia, tingindo-a com as suas estrofes.
No fim, serei eu e todos os quilómetros palmilhados. A distância que mede o espaço que se deita sobre mim, habilitando-me à riqueza inestimável que é a geografia dos deslimites. Talvez pondere escrever sobre a viagem, a menos que descubra que as crónicas de viagem estejam na ordem do dia. Caso em que guardarei, em segredo interior, as crónicas de uma viagem que em mim fizeram crescer a noção dos meus próprios deslimites.
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