17.9.25

Quando sobra o impensar

The Smiths, “Panic” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=wMykYSQaG_c

O nevoeiro matinal só não é miasmático porque ocupa parte da manhã, a parte mais bela do dia. Mas quando coloniza a manhã, ela afeia-se, beliscada por um fantasma sem convite que não se fez rogado para cobrir o dia infante com os seus tentáculos.

O dia começa frouxo. Como se não fosse suficiente, em abono do torpor geral, a aparente letargia demora-se no tempo (e faz o tempo demorar-se), enquanto as pessoas se acostumam à manhã que vem em seu socorro. Paira uma anestesia geral: dispararam os interruptores do dia, mas o dia está encalhado nos termos viciados em que devia ter prosperado. O motor de arranque do pensamento está avariado. Tardam, os mecânicos que podiam vir em seu auxílio. A alavanca do pensamento está encravada na conspiração que o desmobiliza. Agora, é do impensar que se fala.

Uns capitulam porque acreditam que há quem pense por eles, na sua vez. Demitem-se ao subcontratarem o pensamento. Desencomendaram-se da lucidez, pois o pensamento é (devia ser) pessoal e intransmissível. A subcontratação apequena-os, sem que se reforce a qualidade do pensamento de quem ativa o pensamento em nome deles. À abolição do pensamento próprio não corresponde qualquer enriquecimento do pensamento assim centralizado. Corresponde, outrossim, a banalização do impensamento, a armadilha que aproxima os apáticos da condição puramente animal.

Outros limitaram-se a desistir. O mundo não está de feição. É irrepresentável. Não é um lugar recomendável para se estar. Deixam de lado o pensamento, já não adianta arregimentá-lo para a insubordinação exigível contra o comatoso estado do mundo. Por desistência, deixaram vago o seu pensamento. Foi tomado de assalto por abutres vários que querem substituir a riqueza de todos os nano-pensamentos somados pelo vazio próprio de quem arroteia um impensar geral.

Diz-se adeus à autonomia da pessoa. O impensar é mais cómodo, levitando a tão desejada lógica de mínimos que é credencial de gerações várias. O império do impensamento devia ser a prioridade do pensamento. Se não vier a ser decretado extinto. Pois já poucos dizem “penso que é preciso pensar”.

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