The XX, “Islands”, in https://www.youtube.com/watch?v=PElhV8z7I60
Ou ir à piscina e levar a água de casa. Ou ir à feira popular e levar o cinto de segurança e o milho para fazer as pipocas, sem esquecer um recetáculo para o vasilhame não afear os arruamentos do lugar. Ou ir ao café e levar as cápsulas e, por que não?, até as chávenas, a colher e o açúcar. Ou andar de avião e ser obrigado a trazer as proteções que higienizam o lugar onde a cabeça assenta. Ou, já que Miguel Esteves Cardoso propõe levar comida confecionada em casa para o restaurante, também se pode levar o resto – talheres, copos e guardanapos, como dose mínima. Ou ir ao teatro com a predisposição para contracenar, sendo ao mesmo tempo intérprete e espetador da peça de teatro. Ou ter, como condição de acesso a uma livraria, começar e depois continuar a escrever um livro. Ou ir a um combate de boxe e levar as luvas e a goteira que protege os dentes de um assalto mais violento do adversário, para o caso de ser arregimentado para o ringue.
Assim como assim, ele há empresas onde os trabalhadores levam o equipamento necessário de casa, e os titulares da empresa elogiam o gesto dos “colaboradores”, que na língua de trapos da gestão moderna seria sinónimo de um “empreendedorismo” louvável, quanto mais não seja pela poupança de recursos aos detentores do capital, que, desse modo, mais depressa substituem o BMW de serviço por outro mais moderno e “preformante”.
(Altura em que são devidas públicas desculpas por ter fundido, num só parágrafo, linguagem marxista e a língua de trapos da gestão moderna, numa dupla heresia que me expõe ao açoite público de uns e outros.)
Ou então, ainda, ir às aulas e dispensar o professor, pois qualquer avatar da inteligência artificial desempenha melhor a função. E, já agora, as universidades deviam assinar contratos-promessa com os estudantes, ajuramentando a entrega do diploma ao fim do período definido para o grau, sem que os estudantes tenham de fazer um único exame ou assistir a uma só aula. Para que depois saibamos que, numa audiência de trinta estudantes, nem um sabia o significado de “perenidade”, e mais assustados ficaram quando o lente informou, com indisfarçável deleite, que uma palavra sinónima é “imorredoiro”.
Tudo isto, ou a absurdidade refinada de Miguel Esteves Cardoso.
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