1.9.25

Paredes-meias

Nine Inch Nails, “The Day the World Went Away” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=_2RFdC44Evw

Faço de conta que as mentiras não são mentiras. Despojado pelo fingimento, fico, sem embaraços, à mercê do meu próprio julgamento. Como se fosse preciso um desnudamento; ou melhor, o virar do avesso para conhecer a têmpera revelada nesse avesso diacrónico. 

Os dias avassaladores encavalitam-se uns nos outros. Suplicam uma trégua que seja outorgada em resultado da bondade de quem a tutela. Penso que a avareza do tempo não autoriza o desfingimento que se estilhaça contra as verdades que se levantam num movimento de contrafação. Se houvesse claridade o tempo todo, não haveria como esconder a mentira da mentira. Nem seriam precisos faróis de nevoeiro para rasgar a penumbra recalcitrante.

Nem assim ficam caídos os braços. Não me intimidam os sobressaltos averbados pelos deuses que conspiram contra a linearidade do tempo. Por mais que a usura da mentira se deslace do entendimento do tempo, há sempre omissões, intencionais ou sem querer, que se abstêm sobre um momento preciso. E entontecem a lucidez, que fica à mercê das interrogáveis circunstâncias que tomam conta de um tempo. A absolvição vem de dentro, sob os auspícios de uma objetividade delimitada.

Sei que sou refém de todas as coisas que correm por fora de mim. Às vezes, é a verdade – a tirania da verdade – que me situa numa medida exterior a mim. Como se fosse o frágil navio entregue ao acaso dos mares, incapaz de domar as marés que se estilhaçam no meu convés. Mas nem esse castigo me sobressalta. Os contratempos não se resolvem com preces avulsas ou epifanias fingidas. 

O dia ultima a sua litania. As vozes atiram o fogo vetusto contra a urdidura do passado. Se hoje finjo, é para adulterar a mentira. Já diziam os matemáticos: dois negativos anulam-se num resultado positivo. Os provérbios ficam por conta das mentiras obnubiladas. 

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