Jack White, “We’re Going to Be Friends” (live at Later With Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=Grh8lBSlnxo
(Em registo propositadamente acarinhado pelas esquerdas que, todavia, sendo da autoria de um dos seus pode provocar abundante cirrose intelectual)
Podia ser que a comiseração fosse suficiente para desviar as atenções – como se diz, na linguagem do povo, é feio bater em mortos. Mas há personagens que insistem na risibilidade, espécimes autênticos de um erro de casting, que teimam em colonizar o espaço público. Personagens que foram meteóricas no passado e que, entretanto, deixaram de estar nas boas graças do povo que se desviou para outras estrelas em ascensão (até o futuro as poder arrematar como as próximas estrelas cadentes) ou, ó heresia que tanto magoa, para a direita mais à direita.
Já foi mais do que insinuado, até pela tal estrela ascensional, que as esquerdas foram maltratadas pelo escrutínio popular. Dizê-lo não é tão inocente quanto se possa supor, nem a proclamação deve ser interpretada no sentido literal: o povo que maltratou as esquerdas (com a exceção de quem assim o diagnosticou) não prestou justiça à bondade intrínseca com que essas esquerdas se apresentam em público. Por outras palavras, e sem atalhos, o povo que se desviou para a direita foi tremendamente injusto com as esquerdas. Já se sabe com o que podemos contar quando o meteoro do momento das esquerdas for punido nas urnas: se reagiu assim sendo o único a ter motivos de contentamento, imagine-se como será no dia em que o povo deixar de ser soberano porque abandonou o partido do Tavares à orfandade previsível.
Já a Mortágua tem vindo a passar entre os pingos da chuva sem se molhar – mas agora está a jeito de uma borrasca marítima por ter embarcado numa flotilha com destino à Palestina. Não prescindiu da habitual pose de quem exibe a irrevogável superioridade moral, nem se (e nos) desabituou da verve evangelizadora, mesmo tendo sido vítima de uma flagrante derrota eleitoral. Mantém-se fiel ao seu estilo, ela também já permeável aos fabricadores de imagem que abundam entre os partidos gémeos que dominam o sistema político. Ou seja, ela continua certa; o povo é que errou, ao retirar o voto às esquerdas radicais.
Não sei quem quer ser Mortágua, mas por estes dias os candidatos a sê-lo devem ter um estômago de ferro. Não é para qualquer um desafiar o Mediterrâneo desde Barcelona até às águas da Palestina. Atravessar todo esse mar, de uma ponta à outra, em pleno Verão, será um bálsamo para os que enjoam nas demandas marítimas – o mar, habitualmente chão que se põe no Verão, seria presságio de uma navegação calma. Mal zarparam de Barcelona fizeram marcha atrás para que a flotilha não tivesse de enfrentar uma tempestade. Parece que até os deuses conspiram contra os patriotas da democracia que embarcaram rumo a Gaza. Não demora muito e vamos ouvir oráculos prescientes a garantir que deus, em quem não acreditam, conspira a favor dos judeus.
Mortágua é uma distinta passageira da flotilha a caminho de Gaza. Já que as coisas andam de mal a pior pela terra-mátria, o melhor é refugiar-se num indiscreto exílio que não se chama exílio, mas não deixa de ser um exílio. Que se lixem as eleições autárquicas – para grandes males que se anteveem, antes as boas companhias (até de torcionários intelectuais com pergaminhos comprovados) que povoam a flotilha. Ou seja: já se foram os dedos, mas os anéis não deixam de cantar na incorrigível prosápia da Mariana.
No meio desta confusão, até parece que fica mal denunciar o genocídio em Gaza perpetrado por Israel sem ir de braço dado com estes ativistas agora marinheiros. Esse é um dos maiores desafios dos tempos que vivemos. Nem que seja para provar, pela enésima vez, que na política quase tudo não é apenas preto ou branco.
E o Tavares, não embarcou na flotilha porque enjoa, ou tem medo de se molhar?
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