TV on the Radio, “Happy Idiot” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=NJMd-BjYZRU
“I understand the futility of our antics.”
As areias movediças entram nas palavras que por sua vez entram na boca sem pedir licença. Amontoam-se as vozes estrénuas que mexem nas súplicas alistadas. A folhagem das árvores desprende-se dos ramos, o outono prova a sua existência. É este ar amarelecido, o contraste gritante com a epístola estival que tanto inebria a maioria, que se empresta como uma doença que atravessa os dias.
Uma senhora da limpeza protesta contra a chuva. Admite, em exercício de generosidade, que a chuva é necessária; corrige o truísmo, rematando: “a chuva devia cair toda durante a noite. Só durante a noite.” Os truísmos andam aos pares.
Os rios engrossaram. À medida dos lunáticos que continuam em estado de negação a propósito das doenças do clima. Hão de estar de dedo em riste, carregados da sua ufana e ao mesmo tempo leviana razão, à boleia dos rios caudalosos para negarem o que a ciência insiste em provar. Talvez a ciência seja apenas uma conspiração e os credos gratuitamente bolçados constituam o sucedâneo da boa ciência. As entroses da ciência são a janela aberta ao totalitarismo de uma razão que, de outro modo, estava condenada a esvair-se como o nevoeiro gasto da desrazão.
A outra senhora da limpeza é menos contemplativa: a chuva é um aborrecimento que nos ensopa, muito provavelmente o pressentimento de um estado gripal que não demora a chegar. Se contraponho que a chuva é necessária para irrigar os campos, encher as albufeiras e assim termos energia mais limpa e barata, avivar as cores que a natureza sempre conheceu, e porque a chuva é a rima natural desde que o outono foi estabelecido no calendário das estações, desinteressa-se da conversa e, com um leve meneio de mão, recusa dar parte de vencida: “a chuva é mesmo um grande aborrecimento.” Pode ser que, nesta época de vertiginosos avanços da ciência, alguém invente a chuva que não molha (tal como já se fabrica neve nas estâncias de esqui, quando a neve rareia).
Estas são conversas nos interstícios de outra coisa qualquer. Sempre terá sido assim – desenganem-se os que acreditam que as conversas entre a gente comum são apoderadas pela filosofia, ou por outras ciências que exigem alguma erudição. As pessoas comuns falam sobre assuntos comuns. O tempo atmosférico, que as consome mais do que o tempo-tempo (por erro de julgamento), é um assunto que ocupa espaço na agenda de todos os dias.
Há quem diga que é outra prova da entrega à frivolidade das pessoas comuns. Ainda não fui confrontado com uma definição convincente de “pessoas comuns”. Descontadas as diferenças dos grupos sanguíneos, o sangue é igual num analfabeto e num erudito. Frívolos são os juízos sobre a frivolidade dos outros.
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