10.11.25

XXVIII

Gorillaz ft. Idles, “The God of Lying”, in https://www.youtube.com/watch?v=kJChWUcesJ4  

“Hope should be a controlled substance.”

Começa pela conclusão. Não te importes com o índice. As pessoas são crescidas, conseguem encontrar um caminho sem precisarem de um mapa. Para que serve a fala? Elas que perguntem onde se deita o sol e cuidem de arrematar ao corpo um leito onde possam emoldurar os sonhos.

Alguém dizia: “a esperança devia ser privatizada”. Nós não sabíamos que tinha sido nacionalizada. Depois de pensarmos mais demoradamente, percebemos que ela fora expropriada pelos poderes públicos de cada vez que ofereceram provas da sua incapacidade. Por cada vez que frustraram as esperanças das pessoas, estavam a expropriar a esperança. Como se já não fosse grave, dessa expropriação não resultaram ganhos de causa para a entidade que dela tirou partido. A esperança expropriada dissipou-se. Todos ficaram a perder.

Mais adiante, numa página avulsa, alguém protestou que não interessa privatizar a esperança porque não é seguro que seja um processo irreversível. É da natureza das coisas que as pessoas que sobem ao poder se inebriem com ele, ostentam-no numa distração da finalidade do seu exercício. Os mandantes convertem-se em adormecidos déspotas (ou levantam-se do disfarce de déspotas que souberam diligentemente esconder). Acontece nas tiranias e nas democracias. O poder adultera quem o ostenta. A esperança que tiver sido resgatada a quem sobre ela cometeu usura em nome próprio, chega ao seu titular enodoada, como se tivesse perdido qualidades durante o tempo em que gravitou fora da sua órbita legítima.

Insistiu: “a esperança tem de ser privatizada”. Mesmo que, depois de privatizada, seja esbulhada outra vez, por vontade do próprio ou por ações que lhe são exteriores. A condenação da infâmia que é tutelar da vontade dos outros reduz a esperança de uma invetiva. Ninguém consegue atravessar um sono incólume. Os sonhos tempestuosos, onde medram as tempestades que levantam árvores e telhados, colonizam o sono. A esperança em resgatar a esperança perde o seu hábil mediador. Foi nesta altura que alguém com o olhar sombrio usou a cartada da lucidez e escusou-se de hastear a esperança. Disse: 

- Sobre o meu olhar adeja um céu plúmbeo; não consigo desfazer as nuvens pesadas que cospem chumbo para as consciências desprotegidas. É melhor que se deixe de falar na privatização da esperança. Não queiramos amarrar as mãos das pessoas com uma ilusão que depressa se estilhaça com um laivo de tempestade ateado por outros.

As pessoas não podiam deitar-se na esperança, mesmo que ela fosse resgatada aos poderes que a tinham expropriado. Deviam deixar de pensar na esperança. 

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