Lankum, “Ghost Town”, in https://www.youtube.com/watch?v=aLLnF4vxaeY
“Hell is around the corner.”
Num fogaréu típico da publicidade – em tudo o que a publicidade é mestra ao convencer os destinatários a serem atores num palco de ilusões –, desfilam os rostos formidavelmente felizes dos apostadores de jogos variados (lotarias, Euromilhões, apostas online em que se aposta tudo e mais alguma coisa, as populares raspadinhas).
Retenho os rostos formidavelmente felizes dos apostadores, o totem de um paradoxo: o plano de negócios das entidades certificadas para a organização destas apostas depende das mãos largas dos apostadores e da lei das probabilidades estatísticas que favorece as primeiras e torna os segundos permeáveis às escassas possibilidades de serem premiados. A menos que os apostadores vivam imersos numa bolha de ignorância e sejam seduzidos pela falácia do enriquecimento por via das apostas em jogos de azar, eles são a carne para canhão que alimenta o plano de negócios das entidades certificadas para uma das várias modalidades de jogo.
E, mesmo assim, apesar daqueles rostos formidavelmente felizes dos apostadores terem uma elevada probabilidade de corresponder a pessoas que, no deve e haver entre dinheiro apostado e apostas premiadas, se perfilam entre os moradores do défice, os rostos estão formidavelmente felizes no momento do registo da aposta. Poderão contrapor que asfixiar a esperança no futuro é tirânico, um exercício de superioridade moral que os destinatários dispensam. E que, assim sendo, os rostos formidavelmente felizes que estão a trocar a esperança por um futuro materialmente mais desafogado ao investirem numa aposta, estejam formidavelmente felizes porque se não fizessem aquele investimento estavam condenados a vegetar na modicidade própria de quem leveda numa vidinha levemente acima da linha de água.
Também dispenso exercícios de superioridade arremetem perfeitos compassos morais para os outros. Não é este um exercício de pesporrência moral dirigido aos apostadores compulsivos, ou não compulsivos, os tais rostos formidavelmente felizes dos que se viciam em apostas. Os iconoclastas do anticapitalismo têm aqui um campo fértil para se atirarem às campanhas publicitárias que seduzem os apostadores atuais e futuros a elegerem considerações materiais como prioridade. Enriquecer não devia ser a preocupação das pessoas. Seduzi-las com uma promessa incumprível de enriquecimento perpetua o vício comportamental e constitui um autêntico logro, a crer nas muito reduzidas probabilidades estatísticas de serem premiados depois de depositarem uma aposta.
Por fora desta reprovação da dependência de um materialismo que despersonaliza, os rostos formidavelmente felizes estão felizes mesmo sabendo que a probabilidade de serem premiados é tão formidavelmente ínfima. E aqueles que são casos patológicos de dependência do jogo também continuam a entrar nos estabelecimentos de registo das apostas pendurados num sorriso formidavelmente feliz? Quem gosta de atirar dinheiro ao deus-dará?
Ao menos, há sistemas de apostas que se organizam segundo a lógica do assistencialismo. A maior parte do dinheiro gasto em apostas destina-se a ajudar as pessoas necessitadas. É uma forma de redistribuição de riqueza. De pobres para pobres. Desprezados sejam os que se amotinam contra a extensa rede de apostas e a publicidade que as retrata como um paraíso para os apostadores, com a abundância material ali mesmo, a espreitar desde o abismo.
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