14.11.25

XXXII

Human Natures, “The Meaning Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=o9F7zcWjsys

“They ought to practice what they preach/those good people”.

Açambarcava os sonhos antes que perdessem validade. Mas, às vezes, os sonhos adulteram-se, perdidos entre as nuvens baças que os ensombrecem. Não dizia adeus às dúvidas. Os que apostavam nos caudais excessivos para calar o medo não percebiam nada. Esses não tinham lugar nos sonhos sem pressentimento. Vagavam, os seus lugares, à medida que eram despojados.

Um dia, prometeu que não haveria vozes malsãs a tocar às campainhas da consciência. Jurou que só deixaria entrar as vozes melódicas que entoassem poemas vividos, como se fossem astronautas mergulhados nas profundezas dos mares. Os embaraços deixariam de correr por sua conta. Firmando os pés no solo alicerce, olharia por cima do tempo até virar a página do horizonte.

Os templos corriam atrás da tela. Eram sombras intuídas, escondidas dos paramentos que disfarçavam condições meãs. As pessoas não reconheciam os templos. Passavam por fora, como se eles não constassem do mapa e todos os idiomas fossem suprimidos pelas vozes magras. Não é inverno duas vezes seguidas – alguém prefaciava o pior La Palisse que se podia conhecer. E, todavia, o inverno sabia que depois dele não vem outro igual. Para os detratores do inverno, esse era um lugar-comum que sossegava os sonos desalmados.

Se medisse as bissetrizes das almas, onde encontraria o equinócio?

O luar embatia na noite compungida. Prometiam um luar singular, já não se lembrava do adjetivo arrematado para essa singularidade. Os deuses conspiraram: encomendaram uma densa camada de nuvens para impedir tamanho luar. Salvaram-se os que vinham de avião, sentados do lado esquerdo. Voando acima do teto de nuvens, estavam quase a par da lua proveitosa. Quando aterraram, já se tinham esquecido do luar singular. A convocatória do chão desmonta os sonhos angariados na sua efémera criação. Depois da noite, podiam ter sido titulares de uma diferença invejável. Preferiram substituir a poesia pelas representações frias do mundo conhecido.

Os propedeutas dos sonhos não sabiam do paradeiro das luas diferentes e da inesperada aurora boreal que invadira latitudes desconhecidas. Mas os deuses conspiraram outra vez: em vez de falarem dos fenómenos celestes, encomendaram uma tempestade que desviou as atenções. Os deuses tinham medo que as pessoas degenerassem para a poesia, que é meio caminho andado para serem desautorizados. Os olhos insondáveis retiraram-se do protetorado dos deuses. Agora, liam poesia na manhã inaugural. Disseram às palavras que estavam emancipadas da órbita dos deuses. As palavras podiam falar em nome dos sonhos. Podiam dizer aos sonhos aquilo que os sonhos quisessem ser.

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