É esta forma incerta que nos dá corpo, a matéria vaga que sussurra nas imediações da noite. O cais pede pessoas e elas fogem. Antes que seja noite, fogem das silhuetas que se consomem em labaredas. Fogem, apenas. E, fugindo, aspiram a ser a máxima liberdade que alcançam. Não lhes peçam futuros ávidos, poemas sem fôlego, uma maratona de dissidências só para provarem que estão vivas. Somos mais modestos. Somos vagos. Pedimos ao mar que seja musa. Deixamos nas mãos da maresia uma usura que não tem sindicância. Mas sabemos que essa usura não colhe significado na restrição de um dicionário. Não queremos ser como as redes de arrasto que dizimam tudo à sua passagem. Queremos ser olhados como aqueles que contribuíram para repensar o estabelecido e rever os padrões. Porque o tempo muda as coisas que devolvem com vigor redobrado as fronteiras em que se congemina o tempo futuro. Se nos perguntassem, queríamos responder com perguntas: não somos os pacatos peões que se movem na inocência de um tabuleiro arquitetado pelas mãos poderosas que se mobilizam, espectrais. Não somos a gente imersa nos rostos indiferentes, tutores de nomes que só cada um de nós sabe; não somos a carne fácil que se atira aos mastins que têm de ser domados. Vamos ao fundo das gavetas e esgravatamos os sinónimos que são da nossa tutela. No chão onde se encontra a forma incerta que nos confere frágeis, na fragilidade em que emergimos como fundamento da modéstia de ser. Em vez de andarmos enredados em possíveis heroísmos, recolhemos ao recato da humildade. Mergulhamos no glossário de que somos autores, à espera que frua num idioma em que poucos são os que falam. Da forma incerta, um rosto insinuado, pesando a voragem das palavras que ficam para nossa intendência. Até a manhã se transformar em estrofe.
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