Nine Inch Nails, “We’re in This Together” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=mKyxnbjC8KU
As luzes tremeluziam, como se conspirassem com a tempestade. Os foliões não se importavam (nem com a hesitação das luzes, nem com o troar da tempestade). Não seriam coisas menores a incomodar a intendência da folia. A sua arma era a indiferença.
Em seu desabono, era feriado religioso. As festividades que se aceitam são as da alma, de acordo com os sacerdotes que se enxameiam nas coisas mundanas da política. Era dia de consagração a deus e à família. Os foliões, indiferentes às ordenanças eclesiásticas, refugiavam-se em celebrações que os apóstolos da situação apressar-se-iam a reprovar por serem do domínio da frivolidade.
(Estes homens e mulheres que brandem a batuta dos costumes, exigindo a prescrição da frivolidade, nunca fizeram um exame interior para descobrirem aquela parte da sua existência que é dedicada a uma qualquer futilidade. Não creiam que há vidas inteiramente afastadas do endemoninhado véu da frivolidade. As vidas deles e delas terão algum recanto, ao menos um recanto, colonizado pela frivolidade. Ou não dão conta, ou fazem de conta. No primeiro caso, são apanhados na armadilha da ignorância; no segundo caso, refugiam-se na escotilha que esconde a mentira e o fingimento. Esta peregrinação interior, que recusam ser sua demanda, seria suficiente para olharem para os outros com olhos diferentes.)
Os boémios brindam efusivamente com o champanhe a borbulhar por ação do movimento dos copos que levam à sua socialmente aceitável colisão. Não se escondem do hedonismo. Estão preparados para aguentar, com indiferença olímpica, as acusações dos embaixadores das sacristias. Sabem que pagãs são as suas festividades; não contam levar ao juízo interior a acusação de heresia dos que reprovam o seu comportamento fútil numa data tão importante (de acordo com as escrituras).
A noite recebe o chão onde passeiam os foliões. Desfilam, uns atrás dos outros, os copos de champanhe, à medida que ecoam as imagens desfocadas, próprias de uma embriaguez que se instala com o consentimento da boémia pagã. Sabem que precisam de uma anestesia do mundo. Sabem que se encontram atrás do palco, como quem segreda o avesso das ondas, titulares de uma lucidez assoberbada. Não querem saber do mundo que vem nos jornais e nas televisões. Menos ainda da trela estendida a partir das sacristias. No rótulo do champanhe, propositadamente, em letras garrafais impressas a carmim, a palavra “pagão”. Antes fingirem, com a ajuda do champanhe.
Os boémios têm a esperança que o pagão pague o apagão de que precisam.
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