In Expresso, 09.08.25, p. 31.
Gosto dos gestos que desassombram. Gosto ainda mais quando os tempos são atravessados por dificuldades que hipotecam a felicidade das pessoas; quando as ruas se enxameiam de protestos, mesmo quando não os subscrevo (desde que os protestos não sejam contaminados pelos da baderna do costume, que, indignos e egoístas, não percebem, ou fingem não perceber, que desviam as atenções das reivindicações legítimas que saem às ruas).
As ruas são o início e o fim de um processo de protesto contra decisões malévolas. É mais fácil começar o processo com a tomada das ruas, para que elas sejam as porta-vozes dos protestos. Os mandantes não costumam ser indiferentes às vozes que bramam nas ruas. Muitas vezes, as ruas são a última instância dos que levam o protesto à boca. Fico encantado quando a imaginação faz ferver a manifestação, pois ela contém uma dose de originalidade que se aconselha aos criativos. Porque inclui gestos imprevistos que desafiam a força bruta da autoridade que se exibe enquanto tal.
Há dias, passou pelos meus olhos a fotografia de uma rapariga que, em pleno protesto, assoprava bolas de sabão na cara de um polícia equipado até aos dentes. Associo as bolas de sabão à infância, a uma das brincadeiras que me encantava quando frequentava esse grupo etário. A jovem rapariga exibia o despreocupado assoprar das bolas de sabão perante a pose gélida e imóvel do polícia de serviço.
As bolas de sabão são portadoras de sonhos. Dos sonhos implausíveis, dos sonhos rarefeitos como o interior de uma bola de sabão. É dentro das bolas de sabão, e antes de rebentarem pela exaustão, que os sonhos são podados. Terminam com o prazo de validade da bola de sabão, mas enquanto foram sonhos serviram para animar as vidas sofridas dos que protestam contra um determinado estado de coisas.
As bolas de sabão iam além do polícia. Na metáfora perfeita dos sonhos que nem a força da autoridade consegue estorvar.

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