8.8.25

Fora do baralho (short stories #494)

Ólafur Arnalds ft. Arnor Dan, “So Close”, in https://www.youtube.com/watch?v=hi5Wg2vND3k

       Havia os párias – os que não se compunham pela métrica dos outros e se refugiavam na voz da solidão. Sentiam-se corpos estranhos, as velas enfunadas a esgrimir vontades contra os ventos, ou como se fossem rochas na embocadura da maré a ficarem submersas quando a maré se compunha alta. Os párias não eram um grupo – deles não se dizia que tinham coesão interna, ou um sindicato que reivindicasse a seu favor; todos os párias não se conheciam e conheciam pouca gente sem pertencer ao grupo dos párias que afinal não era um grupo. Quando tinham de sair à rua e sentir vestígios de outras pessoas, metiam a cabeça entre os ombros, punham a sua pior carantonha para amedrontar os transeuntes, escorrendo toda a antipatia que era a gramática da misantropia. Num baralho, era aquela carta transviada, perdida algures por um jogador distraído – a carta a fazer o seu exclusivo caminho, a partir daí. Uma carta aliviada por já não estar ensanduichada entre as demais cartas. Sempre dissera que essa condição amputava a respiração e não era congruente com a afirmação da vontade. Não se incomodava que o olhassem com desconfiança. Não tinha bons modos – não queria ser avaliado por uma simpatia que, a existir, era forçada e artificial. Incomodava-se com a proximidade dos outros, que eram sempre intrusos. Dependia dos outros no que era exigido depender, limitando a dependência a mínimos olimpicamente estabelecidos pela usura de querer levar a solidão pela sua mão afetuosa. Às vezes, sonhava acordado – meteu uma cunha a uma entidade alcandorada a um estatuto superior, para que a morte não o demorasse numa decadência inútil. Era tutor exclusivo de outra inutilidade: apesar da sua pária condição, detinha um coração imbatível na métrica da generosidade. Nem assim arbitrou a conversão – nunca quis entrar no templo dos confrades das palavras demasiado gastas, dos sorrisos amarelecidos e dos aventais cerzidos na hipocrisia. 

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