4.8.25

Na ópera matam-se advogados, sobretudo se forem gongóricos (short stories #492)

CMAT, “The Jamie Oliver Petrol Station”, in https://www.youtube.com/watch?v=BTWg-Ky6VZU

                    As vozes barítonas faziam a vez de juízes fora do quadro, de tribunais sem foro, que se limitavam a julgar advogados quando estes eram acusados de conspiração contra a justiça. A conspiração podia ser por os advogados arrastarem a justiça para além da compreensão do próprio tempo. Ou por inundarem os tribunais com peças processuais, requerimentos e intervenções nas sessões de julgamento, que eram autênticos monumentos gongóricos. Nessa altura, abrir-se-iam as portas da ópera adjacente ao tribunal, subindo a cena os cantores líricos para fazerem um julgamento sumário dos advogados que desacertaram as contas da justiça. Os artistas entoariam em cânticos o libelo acusatório, dando direito de resposta aos advogados acusados. Não sendo um tribunal com a cobertura legítima dos órgãos de soberania, seria um tribunal tributário dos princípios do Estado de direito. Com uma exceção: se a ofensa à justiça fosse grave – o juízo seria inapelável e estaria nas mãos dos cantores de ópera que subiram a cena – seria decretada pena de morte. Os cantores líricos liam a sentença em cantos operáticos. Os demais detalhes (o dia e o lugar da consumação da pena e o modo de executar a sentença) seriam secretos, para não alimentar o espetáculo tétrico de que os advogados lenientes foram precursores. Até que um dia, fruto da erradicação desses advogados que tanto foram lesando a justiça, ao ponto de serem agentes primordiais da sua denegação, já não houvessem óperas instaladas na adjacência dos tribunais. Saber-se, mais tarde, que muitos dos cantores de ópera reconverteram as carreiras e passaram a ser distintos advogados das praças nacionais. Sabiam por experiência própria o que não podiam ser enquanto advogados. Por via das dúvidas, antes de transitarem para a advocacia, os cantores operáticos encerraram todas as óperas. 

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