5.8.25

Os amigos e o rock (short stories #493)

The Smiths, “This Charming Man”, in https://www.youtube.com/watch?v=cJRP3LRcUFg

          Os amigos veneravam o rock. Dissidiam das modas coevas (o trance, a música “urbana” – nunca perceberam o que distinguia a música assim rotulada e outros géneros musicais produzidos em cidades –, o reggaeton). A veneração, para muitos deles, prolongava a inércia que impedia a atualização dos gostos musicais. Estavam parados no tempo. Um evocava os Bauhaus. Outro, os Jesus and Mary Chain. Um terceiro continuava a ouvir com regularidade os Cure, mas recusava-se a escutar a música feita após uma determinada data (que ele não sabia determinar). Ainda havia outro que reverenciava os Clash. Cresceram no tempo à medida que a música que ouviam tinha sido esquecida, como se andasse a destempo. Idolatravam a música feita por e com guitarras. Ainda no pós-adolescência, começaram a ter violentas discussões com outros melómanos que faziam concessões a sintetizadores. E se foram agrestes, essas refregas, que acabavam sempre com um encolher de ombros dos outrora ouvintes de Joy Division que, entretanto, passaram a ouvir New Order. Como é próprio da natureza humana, as discussões perdem-se no acessório e depressa se esquece o principal. Décadas depois, a maioria continuava a viver como se ainda estivesse nos anos oitenta e noventa. Às vezes ressuscitavam, quando Peter Murphy, Iggy Pop, Sisters of Mercy, Pavement saíam da reclusão e anunciavam um concerto. Os amigos do rock resgatavam a parafernália iconográfica das bandas que despertaram do torpor. Sentia-se um pulsar novo nas veias em muitos casos decadentes. Como se o tempo fizesse um voo e agarrasse as décadas esquecidas pela erosão que o tempo não deixa de habilitar. Desperdiçavam os tempos novos que eles também eram pródigos em nova música. Um dia, um observador desinteressado comentou que os amigos do rock eram datados. Quem lhes dera saber que a música nova, que também existe na gaveta do rock, rejuvenesce espíritos abertos.  

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